quinta-feira, 17 de abril de 2014

Duplo Grau de Jurisdição - Direito - Gerson Luiz Carlos Branco (Excelente!)



DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

(Extraído da internet: www.fiscosoft.com.br - Gerson Luiz Carlos Branco)



Gerson Luiz Carlos Branco

Eduardo Dorfmann Aranovich, Gerson Branco & Cia. Advogados

Artigo - Federal - 2004/0712




O Duplo Grau de Jurisdição e sua Perspectiva Constitucional.

Gerson Luiz Carlos Branco*

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Introdução


O duplo grau de jurisdição é princípio jurídico segundo o qual todas as decisões terminativas de um processo podem ser submetidas a um novo julgamento, por um órgão especializado, geralmente colegiado, a ser provocado por recurso voluntário ou de ofício. É princípio inerente ao sistema, que, implicitamente, prevê a possibilidade do recurso de apelação contra todas as decisões que põe termo ao processo, seja com ou sem julgamento de mérito, embora não seja previsto expressamente em disposição legal.(1)

Embora o conteúdo dogmático do princípio não seja controvertido, a sua existência enquanto regra obrigatória do sistema jurídico brasileiro tem se tornado a cada dia que passa, mais controvertida, em razão de um movimento doutrinário cujo objetivo é a celeridade processual e o conhecido "direito a uma duração razoável do processo". (2)

A cogência do princípio passa por uma questão inicial que diz com os seus objetivos: se visa realizar de forma mais adequada os direitos subjetivos, ou se a razão da existência do princípio é a garantia de realização do direito objetivo. Na primeira hipótese, o duplo grau serve à parte; na segunda, é garantia da coletividade, motivo pela qual a resposta a tal questão contribui para solver a discussão a respeito da obrigatoriedade do princípio no ordenamento.

Ainda que se chegue à conclusão de que existe um princípio de caráter cogente no sistema, segundo o qual o duplo grau é direito dos litigantes, pode, tal princípio, ser alterado, restringido ou abolido pelo legislador ordinário sem violação dos dispositivos constitucionais que garantem o due process of law?

Essa é a principal questão posta neste trabalho.

Sua relevância assume proporções significativas na atualidade jurídica brasileira tendo em vista as diversas tentativas de criação de mecanismos de simplificação processual, em especial os juizados especiais criados pela Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, pelo qual o duplo grau de jurisdição foi pelo menos transformado, se não eliminado. (3)

Nesses tribunais, ainda existe a duplicidade de instâncias, mediante a possibilidade de recurso para uma turma recursal formada por Juízes de primeiro grau, mas foi vedada a possibilidade de interposição de recursos para o Tribunal de Apelação, formado por Juízes de hierarquia distinta.

A compreensão do duplo grau de jurisdição não depende só da possibilidade de recorribilidade das decisões judiciais, mas de que no recurso exista a possibilidade de conhecimento de toda a matéria posta no julgamento anterior, inclusive no que diz respeito à análise da prova e fatos em geral, além daquelas que dizem respeito às questões eminentemente jurídicas.

Por isso, não se pode considerar como duplo grau de jurisdição a possibilidade estrita de interposição de recursos na via especial ou extraordinária, como são os recursos de cassação do direito francês e italiano. Em tais casos, o tribunal que efetua o exame da matéria decidida terá sua cognição limitada à existência ou não de violação da lei, ou da constituição por parte da decisão recorrida. O tribunal superior não poderá adentrar no exame das provas produzidas, tampouco no exame da justiça da decisão anterior.

No direito brasileiro, os recursos especial e extraordinário não atuam propriamente como recursos de cassação, pois havendo provimento do recurso, o Tribunal será obrigado a julgar a causa, caso em que precisará efetuar a análise de questões de fato e ligadas às provas. Mas essa é a única possibilidade, pois não havendo provimento em matéria meramente legal ou constitucional, independentemente dos fatos em julgamento, o tribunal superior carecerá de competência para examinar provas e fatos.

Porém, mesmo havendo a devolutividade integral da matéria, por meio do recurso ordinário, o grau de cognição do juiz de segundo grau é reduzida em relação ao de primeiro, notadamente no que diz respeito ao comportamento processual da parte nos atos regidos pela oralidade e a limitação de produção de novas provas. O próprio artigo 517 do Código de Processo Civil estabelece limites à possibilidade de a parte suscitar questões de fato na apelação. (4)

Uma das proposições polêmicas a respeito da matéria é justamente a proposição de Mauro Cappelletti, de supressão do sistema do duplo grau de jurisdição, para manutenção da simples duplicidade de instâncias, para que o segundo grau de jurisdição tenha conhecimento somente das questões jurídicas submetidas à apreciação do tribunal revisor. (5)

Entre outros argumentos contrários ao duplo grau, afirma-se que o princípio teve origem histórica relacionada à concentração do poder. E, de fato, os historiadores afirmam que os recursos começaram a surgir a partir do momento em que houve "a concentração do poder nas mãos do soberano", (6) ainda que se tenha notícia de que havia recursos contra as decisões do próprio rei.

Pontes de Miranda relaciona o surgimento do duplo grau de jurisdição à especialização da função de julgar. Afirma que quando a justiça era realizada pelo próprio povo ou pelo rei, a instância era única, mas quando a função judiciária ficou especializada, introduziu-se a tendência de admitir reexame das decisões, "devido a possibilidade de erro ou de má-fé". (7)

João Monteiro afirma que a apelação e os recursos sempre existiram, contrariando afirmações daqueles que dizem não ter sido conhecida na antigüidade. Diz que mesmo contra as decisões dos primeiros reis Romanos, cabia apelação, segundo lição de Cícero. A provocatio era admitida contra os reis romanos, como também entre os egípcios, hebreus e atenienses.

No feudalismo, as appellações e avocações tinham lugar, não para o príncipe, mas para os parlamentos, senados e cortes, que administravam a justiça em nome do soberano. Faziam essa administração sempre em grau de recurso. Posteriormente, quando houve a divisão da função de julgar, generalizou-se a appellatio. No direito germânico antigo, não era admitida a apelação, pois os poderes se concentravam nas assembléias populares, mas assim que começou a divisão de funções, passou-se a admitir o sistema de recursos, inclusive contra decretos de condes, duques, etc. (8)

Oreste Laspro em minucioso estudo histórico, afirma que no Direito Romano não havia recursos, mas somente formas de impugnação de decisões judiciais, entre elas a intercessio, infitiatio, revocatio in duplum e a restitutio in integrum. A intercessio era mecanismo de suspensão de uma decisão ou ato administrativo, pelo que é rotulada de "instrumento político de controle", a infitatio servia para o réu evitar a execução de uma sentença viciada, uma espécie de mecanismo de defesa, "à semelhança das exceções", a revocatio in duplum tinha a mesma natureza da infitiatio, porém, diversamente, não era somente meio de defesa, mas actio para ver reconhecida os vícios da sentença. A restitutio in integrum era um mecanismo para desconstituição de uma decisão com base na eqüidade: seu objetivo era "atacar uma sentença que, embora de acordo com as regras jurídicas, se opõe ao senso de justiça dos romanos". (9)

O mesmo autor afirma que a appellatio somente surge na terceira fase do processo romano, consistindo num típico "instituto imperial", como manifestação de fortalecimento dos poderes do príncipe. (10)

Na continuidade da análise histórica, Laspro identifica a possibilidade de recurso nos mais variados períodos, desde a época do direito canônico, do direito visigótico, do direito português primitivo e do das ordenações, como manifestações da concentração de poder. Tal autor utiliza-se do histórico da evolução das formas da identificação da idéia de que o duplo grau de jurisdição sempre esteve associado a períodos de grande concentração do poder e de autoritarismo, na mesma esteira das idéias de Pizzorusso, (11) para concluir, posteriormente, que o princípio não é essencial ao duplo grau de jurisdição. (12)

A Revolução Francesa marcou a época em que o duplo grau foi discutido com relativa profundidade, pois muitos repudiavam o princípio, em razão de que se via nos tribunais superiores "a imagem das abominadas instituições feudaes, uma espécie de aristocracia judiciaria, incomposivel na aurora triumphal da democracia pura". (13)

Apesar de tal ordem de argumentos, prevaleceu o duplo grau, assim como na revolução de 1848, apesar das tentativas de destruição com base do argumento na democracia e de que "a superioridade hierarchica choca as idéas egualitarias". (14) Mesmo os críticos ao duplo grau de jurisdição reconhecem que as mudanças ocorridas na revolução francesa tiveram caráter positivo, face ao mesmo "ser apresentado como uma garantia da parte a uma decisão melhor. Aliás, é a partir desse momento que surge o conceito de duplo grau de jurisdição, na medida em que, anteriormente, o que existia era uma pluralidade de graus de jurisdição". (15)

A mais forte razão histórica da manutenção do princípio foi a impossibilidade de admissão de que uma só pessoa tenha tanto poder acumulado, a ponto de que suas decisões prescindam de revisão.

A tradição do direito brasileiro, fortemente influenciado pelo direito romano e canônico, foi a de preservação do duplo grau, desde os remotos tempos da monarquia portuguesa, época em que as querimas ou querimonias dos antigos forais cumpriam a função que, posteriormente, foi atribuída às apelações. (16)

A fim de precisar a matéria, deve-se observar que não se confunde o princípio do duplo grau de jurisdição com o recurso de ofício ou reexame necessário, que caracteriza a obrigatoriedade de submissão de certas decisões ao duplo grau de jurisdição, independentemente da interposição de recurso voluntário, conforme determina o artigo 475 do Código de Processo Civil. (17)

Para uma análise das questões postas acima, em especial a da inderrogabiliade do duplo grau de jurisdição, a primeira parte deste trabalho conterá uma análise sistemática na Constituição Federal, e a segunda apresentará um estudo sobre quais são as críticas feitas ao sistema tal qual ele é vigente no ordenamento jurídico pátrio.


O duplo grau de jurisdição na constituição federal

A perspectiva deste estudo a respeito do duplo grau de jurisdição exige uma investigação do texto constitucional, para que se possa concluir a respeito da possibilidade de supressão do princípio por disposição legal expressa.

Para tanto, realizar-se-á uma exegese do texto constitucional para observar as regras que, direta ou indiretamente, tratam da matéria, e um estudo dos princípios constitucionais que tratam do processo, em especial a inclusão do princípio do duplo grau de jurisdição no devido processo legal.



A. A EXEGESE DO TEXTO CONSTITUCIONAL

A primeira conclusão que se tem da leitura do texto constitucional é de que não há qualquer disposição expressa a respeito do princípio, tampouco de sua inclusão dentre o rol daqueles direitos fundamentais.

Porém, uma exegese constitucional exige a compreensão de que a Constituição Federal constitui um sistema normativo. Assim, interpretar a Constituição Federal em primeiro lugar é atividade jurídica de interpretação das normas jurídicas, razão pela qual se deve utilizar dos métodos interpretativos gerais (gramatical, histórico, lógico, teleológico, sistemático, etc.).

Não há, ab initio, como estabelecer qual deve ser o critério mais adequado de interpretação da constituição, haja vista que a generalidade das normas constitucionais, o seu caráter "aberto, fragmentário ou indeterminado", exige uma seqüência de atividades a fim de que se desvende, em primeiro lugar, o sentido do texto, sem que se vá para além do seu teor literal.

Feito isso, deve-se, topicamente, tentar concretizar o texto constitucional ao problema sob análise, para verificar se é possível adaptar a norma constitucional ao problema concreto, submetendo-o aos diversos esquemas de pensamento, raciocínios e argumentos, para descortinar a polissemia, assim como o sentido do texto constitucional, no limite de submissão do problema ao texto e não de submissão do texto constitucional ao problema.

Também é necessária uma interpretação com caráter axiológico, a fim de se observar e respeitar os valores concretos que a norma constitucional quer realizar.

Neste aspecto, uma das principais regras interpretativas é a do primado da máxima efetividade, segundo o qual "à uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê". (18) Também devem ser elencados outros princípios de interpretação, como o da unidade da constituição, do efeito integrador, da justeza e conformidade funcional, da concordância prática ou da harmonização e da força normativa da constituição. Além disso, deve-se obedecer ao princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição. (19)

Os princípios operativos acima indicados têm principal relevo no caso de dúvidas a respeito dos direitos fundamentais, para que se prefira "a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais". (20)

Esses pressupostos interpretativos exigem que se deixe de reserva a afirmação de "ausência de disposição expressa" do princípio do duplo grau de jurisdição, para que se verifique a presença da norma, sem que haja texto, (21) haja vista que há outros elementos no sistema indicativos da presença de tal princípio.


Do contraditório e ampla defesa


Segundo o artigo 5º, LV da Constituição Federal, "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

A partir de tal regra, surge a pergunta: é inerente ao contraditório e a ampla defesa a possibilidade de recurso contra as decisões proferidas nos processos administrativos e judiciais?

A resposta passa pela análise do princípio do contraditório, cujo conteúdo tem sido expandido pela doutrina atual. Da mera possibilidade de cognição e impugnação dos atos da parte contrária, a atual configuração do princípio do contraditório, exige do julgador uma conduta extremamente positiva, com papel significativo na condução do processo e na produção de provas. (22)

O Juiz deixa de ser mero espectador das partes que se digladiam no processo, para ser o responsável pela paridade das armas entre os litigantes, garantindo paridade em qualquer disputa processual. Tal postura do julgador também submete seus próprios atos ao contraditório.

É essencial para que o princípio do contraditório se realize de forma profunda, que o próprio ato do juiz seja objeto do contraditório e, portanto, de impugnação, (23) afastando o tratamento da parte como simples "objeto de pronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado". (24)

Isso não significa que o contraditório tenha por conseqüência somente a possibilidade de contradição, mas que o aumento da atividade judicial na fase de instrução, em especial no que diz respeito à delimitação de pontos controvertidos e esclarecimento das questões que podem ser objeto de prova, conforme determina o artigo 331 do Código de Processo Civil, submete o Juiz ao crivo das partes.

O grande reclamo da doutrina a respeito da inclusão dos atos do juiz ao contraditório está relacionada à tese segundo a qual é um dever do juiz indicar às partes as questões relevantes, ainda que não tenham sido suscitadas pelas partes. Porém, quais as conseqüências de uma decisão que inova em relação a matéria que é objeto de discussão no âmbito do processo?

Segundo o princípio iura novit curia, ao contrário do que postula parte da doutrina estrangeira, (25) uma decisão não será inválida, mas com teor distinto daquele que foi objeto do processo viola o princípio do contraditório, pois transforma o processo numa surpresa.

Decorrência lógica do aprofundamento do contraditório, o princípio do duplo grau de jurisdição é um dos instrumentos para garantia da imparcialidade da jurisdição, somente possível num processo dialético de contraposição entre acusação e defesa. Essa participação das partes significa cooperação e não meramente forma de atuar para vencer, assim como a estrutura dialética serve para a qualidade da prestação jurisdicional.

A dialética processual tem caráter cognitivo em que há uma tese, negação da tese e conclusão, exprimindo a participação dos sujeitos no processo. Sujeitos, entre os quais está o Juiz, que é a pessoa a quem cabe apresentar a conclusão. A parcialidade das partes é essencial no momento da análise, assim como na síntese é essencial a imparcialidade do Juiz.

A defesa, o contraditório, a igualdade e a par condicio guardam relações entre si, conformando a dialética processual, servindo em última análise à própria imparcialidade do juiz. (26)

O contraditório nas suas duas faces de "informação e a possibilidade de reação", consistem num conjunto de garantias que asseguram às partes a possibilidade concreta de produzirem provas, apresentarem razões, recorrerem das decisões e agir para utilizar todos os poderes e faculdades que permitem formar a cognição judicial. (27)

Recorrer das decisões, em especial da decisão que termina o processo, é garantia inerente ao próprio contraditório, principalmente levando-se em conta a dimensão dinâmica da igualdade das partes no processo. A dimensão dinâmica (material) consiste na obrigação do Estado de "suprir as desigualdades para transformá-las em igualdade real". O contraditório se identifica com a igualdade material, igualdade dinâmica, que rejeita a simples paridade entre partes, mas "par condicio, ou igualdade de armas". (28)

A par condicio ou igualdade de armas está ligada ao princípio do equilíbrio de situações, não iguais, mas recíprocas. Uma verdadeira contraposição dialética e igualdade dinâmica.

Isso exige um juiz com poderes mais amplos, para permitir e estipular a participação das partes, colaboração e cooperação no justo processo, mas que em hipótese nenhuma pode decidir de surpresa. (29)

O aumento dos poderes do juiz tem várias conseqüências, entre elas o aumento da efetividade do processo. Porém, neste mesmo passo em que há tal acréscimo de poder, também aumenta a necessidade de verificação de controle sobre tais decisões, o que é feito pelo duplo grau de jurisdição.

Esse raciocínio não depende da conclusão de que uma decisão de segundo grau tem melhor qualidade que a de primeiro, mas sim que o aprofundamento do contraditório exige a possibilidade de revisão das decisões judiciais em razão de uma premissa lógica derivada do próprio dispositivo constitucional acima citado.



Da estrutura da Justiça Federal na Constituição de 1988


Entre os argumentos que a doutrina menciona como demonstração da existência cogente do duplo grau de jurisdição, está a estrutura das disposições constitucionais que tratam da Justiça Federal.

Embora não exista regra escrita a respeito da simetria entre a Justiça dos Estados e a Justiça Federal, é evidente que a regra do artigo 125 da Constituição Federal outorga aos Estados a possibilidade de organização de sua justiça, desde que "obedecidos os princípios" constantes na Constituição Federal, segundo sua disposição literal.

O termo "princípios" a que se refere o artigo 125 da Constituição Federal diz respeito não só aos princípios expressos nas disposições relativas ao processo, mas também àqueles princípios realizados pela própria sistemática constitucional. E esta, ao disciplinar regras mínimas de competência, processo e de organização judiciária, a respeito da Justiça Federal estabelece que o duplo grau de jurisdição é regra básica do sistema.

Assim, o art. 108, II da Constituição Federal estabelece que compete ao Tribunal Regional Federal "julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição".

Embora tal norma seja atributiva de competência, consagra um princípio segundo o qual as decisões dos juízes federais estão sujeitas a recurso para o tribunal regional respectivo.

Se a Constituição Federal não fez discriminação entre os Tribunais, não pode a lei fazer tal distinção, pois tal ato implicaria a violação do princípio da igualdade, já que a parte que tiver demanda perante a Justiça Federal terá acesso ao duplo grau e quando for julgada nos Tribunais Estaduais ficará privada de tal direito. Observe-se que a competência da Justiça Federal é fixada mais em razão da pessoa do que em razão da matéria.

Porém, todas essas observações são afastadas pelo Supremo Tribunal Federal, que é expresso ao afirmar que a regra do artigo 108, II da Constituição Federal não passa de uma regra de competência e, por tal razão, não tem o condão de tornar obrigatório o duplo grau de jurisdição, podendo existir leis que vedem o acesso ao recurso, sem violar a regra constitucional.

O Ministro Moreira Alves, na esteira de decisão anterior do Ministro Sepulveda Pertence, ao julgar agravo regimental em agravo de instrumento decidiu que "o artigo 108, II da Constituição Federal encerra somente uma norma de competência, segundo a qual, quando houver recurso para a segunda instância (e nada impede que a legislação ordinária não o admita), por não ter o texto constitucional criado, no caso, recurso específico, caberá ao Tribunal Regional Federal julgá-lo. Por isso, entendeu-se constitucional a Lei 6.825/80 em face da Emenda Constitucional n. 1/69 à vista de seu artigo 122, III, que continha a mesma regra contida no referido artigo 108, II, da atual Carta Magna, que, assim, não revogou a mencionada lei". (30)

Embora a força de um acórdão do Supremo Tribunal Federal seja significativa e na sua presença há uma tendência de se tomar tal decisão como regra jurídica geral, não se pode deixar de mencionar que o sistema jurídico é dinâmico, principalmente pela possibilidade constante de mudança provocada pela própria jurisprudência, embora já exista uma tradição de decisões reconhecendo a constitucionalidade do artigo 34, da Lei n. 6.825, de 22 de setembro de 1980, (31) que limita o duplo grau de jurisdição nas execuções fiscais que tenham valor inferior a 50 ORTN. (32)

Uma regra de organização judiciária, mas reveladora a respeito do tema, é a disposição do artigo 93, III da Constituição Federal, segundo o qual se estabelece regras para o acesso aos "Tribunais de Segundo Grau".

A importância da disposição deriva de três pontos. O primeiro é o enunciado do caput do artigo 93, que atribui o nome de princípios às regras dos incisos que lhe formam, o que demonstra a natureza informativa e irradiativa das regras ali contidas. O segundo é a atribuição do nome de Tribunais de Segundo Grau para os Tribunais de Justiça e de Alçada, reconhecendo e atribuindo a tais órgãos a função e a vocação de exercer o papel de Tribunais de segundo grau, para que decidam as causas em segundo grau.

Mais do que reconhecer e atribuir tal vocação, o conteúdo da regra apresenta requisito para a formação dos tribunais, baseados numa das razões pelas quais o princípio do duplo grau de jurisdição é defendido, que é a necessidade de escolha de juízes experientes e de última entrância para os Tribunais de Segundo Grau.

O inciso II e alíneas do mesmo dispositivo constitucional apresentam de modo mais específico as razões pelas quais o sistema privilegia os Juízes mais experientes e os com maior conhecimento, possibilitando somente a esses o acesso aos Tribunais de Segundo Grau.

O terceiro é a previsão de Tribunais de Alçada, para decidir questões de menor valor ou gravidade, segundo a tradição brasileira a respeito da organização de tais tribunais.

A respeito dos Tribunais de Alçada e a sua relação com o duplo grau de jurisdição, há decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, do ano de 1952, na qual há manifestação expressa no sentido de que tais tribunais visaram a preservação do duplo grau de jurisdição, fixando regra de competência para desafogar os Tribunais de Justiça.

Veja-se a ementa da referida decisão:

"Alçada. Embora se ouça essa palavra, na linguagem vulgar, como significando competência, no sentido técnico alçada significa o poder de julgar sem recurso (exceção ao princípio do duplo grau de jurisdição). A alçada é, em regra, instituto peculiar a primeira instância, mas pode existir na segunda. O Tribunal de alçada de São Paulo, foi criado de acordo com o artigo 124, II, da Constituição. Nesse inciso, o vocábulo alçada foi usado como sinônimo de competência, conforme a linguagem julgar. O pensamento que ditou o dispositivo foi o de, mantendo o duplo grau de jurisdição, desafogar os Tribunais de Justiça, por uma partilha da competência destes, que são a cúpula da organização judiciária do Estado, com Tribunais a ele inferiores mas também de segunda instância, nos limites estabelecidos pelo legislador daquela organização, o legislador estadual. Há que distinguir, assim, entre o caso do número II do art. 124 e o do n. XI do mesmo artigo, que, cogitando da jurisdição de primeiro grau, permite a criação de juízes togados com investidura temporária e competência para julgamento das causas de pequeno valor. Aqui, sim, não seria possível dar competência no crime, a tais juízes. Mas nada justifica estender igual critério ao n. II do art. 124, onde foi mantido o duplo grau de jurisdição e se usaram palavras diversas (não se aludiu ao valor das causas). Acresce que a própria alçada, no crime, já foi observada, entre nós, quer no império, quer na república. Constitucionalidade da Lei paulista n. 1.162, de 31.07.1951, que estendeu a alçada, ao criar o respectivo tribunal, aos processos por crimes ou contravenções a que sejam cominadas penas de multa, prisão simples ou detenção, e aos habeas-corpus relativos a tais processos". (33)

A simples existência de previsão constitucional dos tribunais de alçada reforça a concepção consagrada o voto do Ministro Luis Gallotti, de que não há qualquer óbice na criação de órgãos diferenciados para o julgamento das apelações, mas com a característica essencial do duplo grau de jurisdição, que é a consagração de um grupo de juízes especializados para tal fim, com maior experiência e reunidos sob a forma de câmaras ou turmas.



Do direito ao recurso sempre que houver condenação penal


Outra razão pela qual a doutrina afirma que o sistema constitucional consagra o princípio do duplo grau de jurisdição consiste na estrutura aberta do artigo 5º da Constituição Federal, cujo parágrafo segundo considera como direito fundamental os princípios constantes dos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário. (34)

Nesse particular, a Carta de São José da costa Rica, (35) que é a convenção americana sobre direitos humanos, considera como direito fundamental no sentido material, o direito de recorrer para juiz ou tribunal superior, convenção esta ratificada no Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992.

O texto do referido tratado reconhece, no artigo 8º, alínea h, "o direito de recorrer da sentença para Juiz ou Tribunal Superior", consagrando a possibilidade de que, através do art. 5º, §2º da Constituição Federal, seja o duplo grau de jurisdição considerado como direito fundamental, "até mesmo em face da absoluta ausência de incompatibilidade com a atual sistemática da Constituição". (36)

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da recepção de tratados e convenções internacionais, o decreto ratificador assume a força de lei, não podendo ser atribuído a tal direito o status que os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal possuem. Mas, de qualquer forma, não há como eliminar a vigência de tal dispositivo, salvo disposição expressa de lei posterior à data da ratificação, qual seja 06 de novembro de 1992.

Isso torna discutível, portanto, a sua vigência em relação aos processos penais cujo procedimento tenha sido previsto na Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, face à sua vigência posterior, cuja análise é feita no próximo tópico.

Por fim, constata-se a falta de aplicação da disposição da Convenção por parte do Supremo Tribunal Federal que, nos processos criminais de competência dos Tribunais de Justiça, não tem admitido a revisão a respeito dos fatos, recebendo o recurso extraordinário somente para exame da matéria puramente constitucional, como se vê na decisão abaixo transcrita:

"Acórdão que, em ação penal originária, condenou o recorrente com base na prova dos autos. Pretensão de reexame da matéria de fato. Duplo grau de jurisdição. Questão insuscetível de ser apreciada ante a impossibilidade de reexaminar-se em sede extraordinária a matéria de fato, ainda que em processo criminal de competência originária do Tribunal de Justiça, não sendo o duplo grau de jurisdição uma garantia constitucional". (37)



Dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Toda a análise do texto constitucional é dirigida para a conclusão evidente de que o sistema constitucional prevê a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição. Porém, há uma disposição de sentido radicalmente contrário a essa afirmação no texto do artigo 98, I da própria Constituição Federal:


"Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:


I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".

Tal disposição não elimina o duplo grau de jurisdição, em si, mas elimina uma das características do duplo grau de jurisdição, que é a composição do órgão julgador por Juízes de hierarquia superior.

A Constituição Federal admite expressamente que os Juízes que julgam os recursos decididos nos Juizados Especiais sejam Juízes de 1º grau, portanto Juízes pares daqueles que proferiram a decisão que é objeto do recurso.

Não há como afirmar a inconstitucionalidade de tal norma, já que além de estar dentro do texto da própria constituição, em princípio, não viola nenhum direito fundamental expresso, caso em que seria admissível o questionamento da inconstitucionalidade da própria norma constitucional.

A Lei n. 9.099/95, já mencionada anteriormente, não chega a eliminar o duplo grau, mas estabelece regras que mudam substancialmente o perfil do duplo grau de jurisdição, em relação ao processo comum, em especial no que respeita aos juizados especiais cíveis.

A lei elimina a possibilidade de recurso contra as decisões interlocutórias, independentemente do fato da decisão resolver ou não questão relevante, ainda que levem a conseqüências irremovíveis. Neste sentido, afasta-se a tese de que o duplo grau de jurisdição é "o princípio da recorribilidade das resoluções judiciais relevantes". (38)

Por outro lado, deve-se observar que estrutura similar existe na Justiça Trabalhista, na qual vige o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, que permite à parte deduzir suas irresignações contra as decisões interlocutórias no momento em que é proferida, por meio de consignação de simples "protesto", para que, ao final, quando e se houver recurso contra a "sentença", sejam todas as inconformidades deduzidas e devolvido ao Tribunal todas as questões que foram objeto de apreciação judicial.

Além disso, havendo urgência em fazer cessar os efeitos da decisão judicial, que viola direito líquido e certo que não for amparado por nenhum outro recurso ou instrumento processual, caberão os eficazes remédios constitucionais: mandado de segurança e habeas corpus.

Não se pode deixar, porém, de ignorar a experiência de seis anos de funcionamento dos juizados especiais, que organizaram turmas recursais cujo funcionamento tem sido similar ao das Câmaras dos Tribunais de Justiça e de Alçada.

Essa estrutura similar, a atribuição a tais juízes de exclusividade na atividade revisora, assim como a de nomeação de juízes de primeiro grau mais experientes, que estão entre os mais próximos para a promoção ao Tribunal de Justiça, demonstra que existe uma norma de caráter cultural incorporada na mentalidade dos juristas que é a da necessidade de separação entre as funções de instruir e julgar e a de julgar recursos deduzidos contra decisões de primeiro grau, realizando aquilo que Pontes de Miranda afirma decorrer da pluralidade dos juízes que é a necessária "dependência do juiz inferior ao juiz superior". (39)

As normas jurídicas, porém, não são construídas a partir do nada, mas com base em estruturas formadas no processo cultural e lapidadas pelos homens no curso da história. Apesar de existir espaço para a inovação, a substância das mudanças legislativa precisa estar de acordo com os valores já reconhecidos e aceitos numa determinada comunidade, razão pela qual se pode afirmar que "o futuro se contém, até certo ponto, no passado". (40) Esse processo de construção exige atos contínuos de escolha dentre variáveis que são pré-determinadas historicamente e que determinarão o sentido da norma jurídica, que escondem uma realidade de fundo, um continente submerso que tem uma parte visível cuja dimensão é enganosa. (41) Somente o estudo do Direito, de suas instituições, de suas idéias, do pensamento jurídico construído ao longo da história, permite conhecer com exatidão os fatos e as forças que forjaram a realidade presente e futura, e que determinaram esse continente denominado "civilização". (42)

O direito processual é fenômeno cultural que não é encontrado "in rerun natura, tem o seu tecido interno formado pela confluência das idéias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, sociais, políticos e estratégias de poder reinantes em determinada sociedade, com notas específicas de tempo e espaço". Não se trata de um mero instrumento técnico de caráter formal, mas de uma estrutura em busca de meios eficientes e adequados para realização dos valores predominantes no meio social. (43)

Tal perspectiva, não serve para justificar o presente ou para predizer o futuro, mas é necessária para entender qual é o conteúdo das normas e a projeção que a mentalidade dos juristas determina sobre a lei, não exatamente no sentido pretendido pelo legislador. Os fatos não são ilhas isoladas e separadas, mas pontos de uma longa linha, marcados por forças próprias e peculiares. Cabe aos juristas demonstrar qual o sentido da linha, da qual não surge a certeza, mas a direção de um movimento que acompanha a experiência cultural. (44) Para tanto, é necessário a análise do princípio do devido processo legal, direito fundamental que integra uma gama diversificada de direitos de caráter processual, entre eles, segundo parte da doutrina, o duplo grau de jurisdição.



A relação entre os princípios constitucionais e o devido processo legal


O devido processo legal


O princípio do due process of law tem sido visto a partir de dois ângulos: o formal e o material.


Sob o ponto de vista formal, o princípio do devido processo legal não tem significação maior do que a obrigatoriedade do poder judiciário estar vinculado ao princípio da legalidade em matéria processual. Ainda que o princípio do devido processo legal permita a extração de regras para além daquelas que constam expressamente na lei, há uma evidente limitação na sua concepção, já que em muitos casos pode resultar numa fórmula vazia, considerando que seguir o procedimento legal não é nada mais nada menos do que seguir a lei.

A vinculação do julgador e do legislador ao due process of law é mais do que mero ditame formal a respeito da obediência do processo legislativo, mas um instrumento técnico de "sujeição material da lei aos princípios superiores do direito", que estabelecem uma síntese das normas dentro de certos limites históricos que determinam coerência. A violação de tal coerência gera arbitrariedade e é traduzida na idéia de lei injusta. (45)

As inovações legislativas graduais provocam a mudança do próprio sistema, o que deve ser feito obedecendo a regras de coerência, oportunidade e evolução. Embora seja difícil uma precisão teórica, o jurista sabe quando a lei nova modifica o sistema em é inserida e também quando a lei destrói o sistema. O caráter meramente formal do due process of law ainda tem lugar em boa parte da doutrina, mas a cada dia que passa tem sido considerado pela doutrina em seu caráter substantivo, cujo conteúdo tem servido de instrumento de controle não só da decisão judicial, mas da própria lei, como garantia concreta de justiça. (46)

O seu conteúdo contém elementos em branco que as condições histórico-culturais determinam, a fim de que o judiciário e o legislador não cometam arbitrariedades no exercício de suas atividades. (47) Não se pode subtrair as formas gerais de governo da sociedade, privando um grupo de indivíduos do gozo de um tratamento que se concede a todos. Além disso, não basta um ato legislativo formalmente perfeito para o preenchimento do due process of law, pois admitir que a simples lei é suficiente, significa dizer que não se pode cometer erros, exceto se o legislador optar por fazê-los. As normas meramente formais violam o devido processo legal se a regra concreta nela contida não concordar com a regra geral em vigor para os demais casos. (48)

Para que a lei obedeça ao devido processo legal deve atender a dois requisitos: 1. Incidir sobre todos aqueles que se encontrem ou venham a encontrar-se na mesma situação, 2. Que a diferenciação feita pela lei seja natural e razoável e não arbitrária ou caprichosa.

A lei precisa ser geral, para que obedeça ao devido processo legal, assim como não pode criar exceções genéricas e arbitrárias, "senão impostas pela natural disposição das coisas". (49)

Sobre essas exceções, ainda no regime jurídico da Constituição Federal de 1969, Frederico Marques afirmou que o princípio do duplo grau de jurisdição, apesar de não estar expressamente consagrado constitucionalmente, somente poderá ser derrogado em hipóteses especiais, tendo em vista que "está implícito, em muitos casos, no postulado do devido processo legal". (50)

Sob o ponto de vista estritamente processual, o due process of law contém entre outros elementos, alguns direitos e garantias mínimas, que podem ser assim enumerados: 1) direito à ampla defesa; 2) noção de contraditório sobre os atos do Juiz; 3) juiz imparcial; 4) direito de ação; 5) direito de participar no processo; 6) meios de controle da jurisdição para segurança; 7) igualdade substancial de tratamento. (51)

Sob o ponto de vista deste trabalho, é relevante a idéia segundo a qual a verificação de que as garantias inerentes ao due process of law estão sendo atendidas, o que interessa não só aos litigantes como ao próprio Estado, é a existência de "meios de controle, sem o que ficarão desprovidas da segurança de que necessitam revestir-se" (sic.). (52)

De forma expressa a garantia de motivação da decisão judicial prevista no artigo 93, IX da Constituição Federal é um instrumento do devido processo legal que se inclui entre os mecanismos de controle do cumprimento do due process of law, pois a partir de uma decisão motivada é que se pode exercitar o direito ao duplo grau de jurisdição.

O direito a uma decisão motivada é meio para que a parte conheça as razões pelas quais o Juiz chegou a determinada conclusão, evitando decisões pessoais e arbitrárias, assim como é um meio para controlar o conteúdo da decisão judicial pelos Tribunais de segundo grau. (53) Trata-se de uma garantia que é menos subjetiva e que é mais objetiva e estrutural de fechamento do sistema no interesse geral para o controle e exercício do poder de "nomoprofilaxia" sobre todos os provimentos jurisdicionais, sem deixar de ser uma garantia subjetiva para controle do mérito da decisão de primeiro grau. (54)

Uma análise do texto da primitiva Magna Carta, de 1215, em especial do capítulo 39, torna clara a reivindicação dos barões ingleses: "julgamento pelos seus pares ou pela lei da terra". (55) A Lei da Terra, e posteriormente, o due process of law, embora tenham servido para limitação do poder real, ultrapassaram barreiras geográficas, temporais e ideológicas para criar garantias que proporcionaram o preenchimento atual do princípio do estado do direito, "inclusive no que pertine ao seu acréscimo democrático, que agrega noções de justiça, igualdade jurídica e respeito aos direitos fundamentais". (56)

Porém, se por um lado a doutrina, majoritariamente, reafirma a necessidade de inclusão do duplo grau de jurisdição no devido processo legal, por outro, a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - órgão máximo para definição do conteúdo da constituição nos casos de dúvida -, é em sentido contrário.

A decisão paradigma do próprio Supremo Tribunal Federal tratou-se do acórdão relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em processo de competência do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão cuja ementa é a seguinte:

"Embargos infringentes criminais: descabimento da decisão condenatória não unânime, nos processos de competência originária dos Tribunais, salvo no Supremo Tribunal Federal: inexistência, no ordenamento brasileiro, da garantia do duplo grau de jurisdição, a qual, de resto, não satisfaria a admissão de embargos infringentes, que não são recurso ordinário: conseqüente legitimação da imediata prisão do condenado, independentemente de sua necessidade cautelar e não obstatne o cabimento em tese de recursos extraordinários, sem efeito suspensivo". (57)

Embora existissem decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal que tratavam dessa questão, (58) como aquelas que reconheciam a constitucionalidade do artigo 34 da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980 e Lei n. 6.825/80, que aboliram o duplo grau nas execuções fiscais de pequeno valor, a decisão supra é que se tornou paradigma para uma série de outras decisões do Supremo Tribunal Federal na ordem constitucional posterior a 1988.

As decisões do Supremo Tribunal Federal, a partir de 1994 têm sido unânimes em negar que o duplo grau integra o devido processo legal, em especial, decisões do Ministro Marco Aurélio, (59) Moreira Alves(60) e Ilmar Galvão. (61)

Além disso, o Supremo Tribunal Federal também afastou a necessidade do duplo grau nas decisões administrativas, admitindo que a lei possa limitar o exercício ao duplo grau sem que haja a violação do devido processo legal. (62)


Princípio do Estado Democrático de Direito


O princípio do Estado Democrático de Direito, consagrado no artigo 1º da Constituição Federal e informador de todo o sistema constitucional, também precisa ser analisado emparelhadamente com o princípio do devido processo legal, pois, baseado na existência do governo representativo, com controle do poder e da autoridade, submete todos às regras estabelecidas pelo sistema, inclusive o próprio órgão encarregado de criar as regras.

A submissão às regras exige, por sua vez, que existam instrumentos ou mecanismos de controle sobre as autoridades que exercem as funções representativas do poder Estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário), cuja função acaba sendo a de garantia da própria existência do Estado Democrático e de Direito.

Nesse sistema de controles, que envolve a divisão das funções do Estado em Judiciário, Legislativo e Executivo, o due process of law é, indiscutivelmente um instrumento construído no curso da história com a finalidade de permitir que o Poder Judiciário exercite atos de controle sobre os atos Poder Legislativo.

Seguindo a mesma lógica, o poder executivo está baseado integralmente no princípio da legalidade(63) e também se submete às decisões judiciais.

Mas quem controla as decisões emanadas pelo Poder Judiciário?

Evidentemente que há possibilidade de controles externos sobre as decisões do poder judiciário, mas tais controles, quando existiram na ordem jurídica pátria, sempre foram associados a períodos obscuros, épocas em que reinava o autoritarismo e a ditadura.

Por isso, embora os controles externos possam ser utilizados como mecanismos de controle administrativo, a fim de evitar nepotismo, mau uso do dinheiro público, etc., não se tem admitido que possam eles servir de controle das decisões judiciais.

Há órgãos como o Tribunal do Júri, com seu caráter popular e o Supremo Tribunal Federal, que faz as vezes de tribunal político e de controle da constitucionalidade. Porém, tais órgãos têm competência extremamente limitada, não podendo ser considerados como mecanismos de controle dos atos do poder judiciário, mas de órgãos com competência privativa específica.

Por essa razão, o duplo grau de jurisdição emerge como melhor forma de controle das decisões judiciais, que ao mesmo tempo não implique perda da independência dos Juízes.

Por meio do duplo grau, as decisões judiciais são submetidas a um novo Juízo, expedido por Juízes experientes, selecionados dentre os de maior competência profissional, que atuam de forma colegiada e que formam um corpo diferenciado em relação aos juízes de primeiro grau, o que lhes confere independência e eqüidistância em relação aos colegas de profissão, com conseqüências evidentemente salutares para o controle das decisões judiciais.

A simples possibilidade de que a decisão será submetida ao órgão formado por Juízes superiores determina um comportamento mais rigoroso do Juiz de primeiro grau. E essa é uma justificação política do princípio, ligada à maior probabilidade de acerto decorrente da sujeição aos pronunciamentos judiciais que se submetem à revisão, pelo regime colegiado e por juízes mais experientes, o que diminui a possibilidade de passarem desapercebidos aspectos relevantes. (64)

A consciência do Juiz de que sua decisão não poderá ser submetida a novo exame poderia conceder-lhe um poder desmesurado, o que propiciaria o afloramento das paixões e das decisões com caráter pessoal.

Além disso, disposições como a do artigo 94(65) do texto constitucional, que permitem que Advogados e membros do Ministério Público que tenham mais de dez anos de atividade profissional integrem os Tribunais Superiores, consistem em respiradouros desses próprios tribunais, meios de aeração e de penetração de novas idéias, posturas e mentalidade.

Trata-se o duplo grau de jurisdição não só de um instrumento para permitir que a parte obtenha um novo exame da matéria que foi submetida a julgamento, mas um dos meios mais eficazes de controle do conteúdo e da qualidade das decisões judiciais. Um instrumento para preservação do estado democrático de direito.

Somada a função de controle, o duplo grau de jurisdição exercido por órgãos colegiados é importante para garantia da democracia, pois a reforma de uma decisão judicial significa a possibilidade concreta de reprovação da decisão de uma autoridade. E, não se pode cogitar de democracia se todo o poder de avaliar o mérito de uma ação judicial está no poder de uma só pessoa, sem possibilidade de impugnação.

Além de todas as normas constitucionais acima mencionadas, decorrentes direta ou indiretamente do texto constitucional, há uma norma que também tem status constitucional, mas que figura somente na constituição material e não na constituição formal.

Trata-se do princípio da segurança jurídica, um dos princípios jurídicos supremos do ordenamento, que se estivesse no texto constitucional, deveria ser elencado entre os incisos do artigo 1º da Constituição Federal, pois é um dos pilares do sistema jurídico e está previsto em um conjunto de normas que tratam do ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. (66)

Porém, a preservação legal e constitucional desses três elementos não é suficiente para explicar, por si só, o princípio da segurança jurídica, pois, caso a lei atribuísse a força de coisa julgada a uma decisão equivalente, hoje, à antecipação de tutela, ou liminar em um mandado de segurança, tal decisão não conteria em si as razões da criação da coisa julgada, que é a preservação da segurança jurídica.

A segurança jurídica está por detrás de tais institutos, mas também está muito além, como tem demonstrado a jurisprudência que limita a possibilidade de anulação do ato administrativo para preservação de situações consolidadas em razão de um determinado comportamento da administração.

É inerente sob o ponto de vista lógico, que a formação da coisa julgada surja mediante um processo de consolidação e maturação da decisão judicial, que se dá pela possibilidade de diversas formas de impugnação, dentre elas a própria ação rescisória e, em hipóteses excepcionalíssimas, a ação anulatória.

Uma decisão judicial que não tenha sido submetida ao duplo grau de jurisdição não tem aptidão necessária para a produção da coisa julgada, pois não se submeteu aos meios de impugnação ordinários que lhe garantam a estabilidade necessária para tal fim.

A utilização de outro raciocínio e pressupor que a decisão de única instância tem aptidão para a formação da coisa julgada, significa dizer que os juízes são mais do que homens, são super-homens, ou quase deuses.

As formas especiais de impugnação, como a ação rescisória ou os recursos ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, não admitem que o juiz comenta erro a respeito dos fatos, mas somente sobre questões jurídicas ou fatos que não foram submetidos ao processo de julgamento. Caso se tivesse tais medidas como únicos meios de controle das decisões, a conseqüência seria a falta de segurança jurídica aos cidadãos, que deixariam de confiar no poder judiciário e na heterocomposição. Os riscos de uma coisa julgada baseada em decisões monocráticas que não se submetem a recurso, é um estímulo indiscutível à autotutela. (67)

A segurança jurídica é o que confere confiança e legitimidade às decisões judiciais, isso sem contar o aspecto psicológico que faz com que o derrotado aceite melhor a decisão. (68) Essa necessidade de segurança jurídica é um dos mecanismos de resistência à própria arbitrariedade, consistindo, historicamente, num dos principais pontos de partida para a preservação da liberdade.




Críticas a respeito do duplo grau de jurisdição


A possibilidade do conhecimento científico depende de uma análise crítica de todas as proposições que são formuladas sobre determinada matéria. Analisar criticamente é apresentar o argumento e sua antítese, a fim de que o sujeito do processo cognitivo tenha em sua frente todos os elementos e variáveis que lhe permitam a elaboração de um juízo. Um juízo que não é alienado por um argumento, mas um "juízo crítico" baseado na experimentação de cada um dos argumentos que sustentam determinada idéia.

As críticas ao duplo grau de jurisdição que adiante serão feitas são quase todas dirigidas por algumas premissas de Mauro Cappelletti, que realizou estudo na década de setenta sobre o burocrático judiciário italiano, o qual, entre outras, resultou na conclusão de que existe um direito constitucional a duração adequada do processo. (69) Esse direito, de duração adequada ou tolerável do processo, balizou todas as críticas a respeito do duplo grau de jurisdição, pois foi considerado como um dos óbices à rápida solução dos litígios.

Porém, ao mesmo tempo em que o duplo grau de jurisdição sofre críticas, também surge a crítica da crítica, para atacar postulados que não existem sequer no país onde tais idéias surgiram e também para que a ânsia de cumprir os objetivos do processo, seja ele transformado num instrumento para realização da injustiça.



Críticas ao duplo grau e justiça da decisão e proposições da doutrina


Críticas ao duplo grau de jurisdição


A primeira grande crítica que se faz ao duplo grau de jurisdição é a de que tal princípio não garante o seus objetivos; não garante que a sentença de segundo grau seja mais justa que a do primeiro grau. Ainda que existam argumentos como os de Allorio, segundo o qual há uma probabilidade de uma decisão mais acertada pelos tribunais de segundo grau, não há certeza sobre a melhor qualidade da sentença de segundo grau. (70)

A tese do jurista italiano afirma a decisão de segundo grau pode ser equivocada comparativamente com a decisão de primeiro grau, tendo em vista a realização do direito objetivo e até mesmo o grau de resolução do conflito na esfera do direito material. Além disso, se os julgadores de 2º grau são melhores, porque não enviar o processo diretamente a eles? (71)

Esse argumento está baseado na idéia de que a existência de dez graus de jurisdição não irá resolver o problema da qualidade da justiça, já que é possível que em cada um dos dez hipotéticos graus de jurisdição as decisões sejam diferentes. Acrescenta ainda que, se não há uma vantagem substancial em proporcionar justiça ou uma solução mais adequada, o duplo grau de jurisdição se constitui num dos entraves para uma justiça célere, já que a realização dois juízos repetidos sobre o mérito é uma das principais razões para a duração excessiva do procedimento. (72)

A duplicidade de graus de jurisdição transforma o primeiro grau numa espécie de ante-sala da verdadeira jurisdição, já que as decisões de primeiro grau não servem para ser confirmadas ou reformadas. Não possuem valor por si mesmo, consistindo num mecanismo de atraso da prestação jurisdicional que vai produzir a coisa julgada, que é a decisão de segundo grau. (73)

Os críticos do duplo grau de jurisdição afirmam que este princípio consiste num obstáculo para a realização do direito a um processo rápido e célere, eliminando por completo a oralidade do processo.

Ainda que o princípio da oralidade tenha sido realizado no curso do processo no primeiro grau, oportunidade em que o Juiz teve a oportunidade de colher a prova oral, conversou com as partes, esteve próximo dos problemas da realidade e colheu impressões que foram importantes para a resolução do litígio, todo esse trabalho é inútil, pois o juiz de segundo grau decidirá com base na letra fria das anotações constantes no processo. Nessa linha de raciocínios, esses críticos afirmam que o juiz de segundo grau anulará as vantagens da oralidade.

Somado a isso, há argumentos de ordem histórica, segundo os quais o duplo grau de jurisdição teve origem autoritária. Orestes Laspro, por exemplo, em detalhado estudo da história do duplo grau de jurisdição chega à conclusão de que a origem do princípio está associada a períodos da história em que se manifestou o autoritarismo. Afirma que o duplo grau de jurisdição nasceu como forma de o Monarca controlar o poder delegado, em um sistema hierárquico de caráter burocrático. (74) Argumenta que atualmente o poder não é do Monarca, tampouco os Juízes são delegados, mas verdadeiros representantes, que devem ter autonomia para decidir.

O grande problema deste argumento está no fato de que, embora a representação e a delegação tenham estruturas, razões de ser e justificação histórica distintas, ambas exigem mecanismos de controle.

Na delegação, a autoridade que delega os poderes efetua diretamente o controle, mas na representação, as formas de controle são mais complexas e difíceis de serem feitas. (75)

Em um sistema de escolha dos Juízes baseado no concurso de provas e títulos, associado a vitaliciedade, não há como realizar qualquer controle sobre a própria jurisdição, exceto por meio de controles internos, baseado no princípio do duplo grau de jurisdição.

A outra alternativa ao duplo grau é tornar temporária a atividade judicante, possibilitando que os juízes sejam eleitos, usando-se o critério plebicitário como mecanismo de controle, o que é uma forma duvidosa de se controlar quem quer que seja, como se vê pela política brasileira.

As críticas, por sua vez, vêm acompanhadas de proposições para modificações, que precisam ser estudadas, a fim de que se tenha idéia exata de quais são os mecanismos que podem afastar o duplo grau de jurisdição.



Proposições para mudar o duplo grau de jurisdição


A proposta formulada por Mauro Cappelletti é a da eliminação da apelação, para que contra a sentença somente se possa interpor o recurso de "cassação", recurso que no nosso sistema é equivalente aos recursos extraordinário e especial, permitindo a imediata execução da sentença. (76) Com isso estariam afastados inconvenientes do duplo grau, como a duração excessiva do procedimento e a duplicidade de exames sobre o mérito.

Observe-se, porém, que tal proposição de Cappelletti foi feita na década de setenta, na época em que a jurisdição de primeiro grau era exercida na Itália por turmas de juízes, que deliberavam de forma colegiada, assim como funcionam nossos atuais tribunais. (77) Tal proposição teve um caráter crítico do sistema extremamente atravancado e lento em que era baseada a jurisdição italiana.

Não é, porém, a nossa realidade.

Outra ordem de proposição é a de instituir um sistema rotativo, para que Juízes diferentes, mas da mesma instância examinem o processo, independentemente da existência de órgãos colegiados para tal fim. Tal proposição objetiva tornar o procedimento mais célere, sem eliminar a idéia que subjaz ao duplo grau de jurisdição, que é um duplo exame a fim de evitar erros que, porventura, possam ter sido cometidos por um Juiz único. (78)

Essa proposição, embora tenha sido assumida de forma similar pelos juizados especiais criados pela Lei n. 9099/95, não se constitui propriamente numa solução, já que a essência do duplo grau de jurisdição é a formação de um grupo de Juízes que sejam, de fato, mais experientes que os Juízes de primeiro grau. Além disso, a existência de juízes em situação de equiparação, com rotatividade de decisões trará uma tendência de "corpo", pois os juízes que revisam as decisões do juiz de primeiro grau não podem ser afetados de forma recíproca.

Uma das grandes vantagens dos tribunais é a dedicação exclusiva para a atividade de revisão, sem que o juiz que está revisando tenha suas decisões revisadas por um outro colega de mesma instância. Atualmente, mesmo nas turmas recursais dos juizados especiais há juízes que exercem tal atividade com caráter permanente, normalmente juízes que estão em entrância final e que estão prestes a ascender para o Tribunal de Justiça.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, existem somente duas turmas recursais dos juizados especiais (uma penal e outra cível), formadas por juízes de entrância final, que exercitam tal função em caráter permanente.

Outra solução menos radical, mas que serve para eliminar um dos efeitos negativos do duplo grau de jurisdição, que é a duração excessiva do processo, consiste na proposição de eliminar a eficácia suspensiva do recurso de apelação, bem como limitar a possibilidade do conhecimento de fatos novos na apelação.

Essas duas medidas têm sido utilizadas em nosso sistema, existindo, inclusive estudos de reforma do Código de Processo Civil para restringir os casos em que a apelação tem efeito suspensivo.

Quanto à limitação do conhecimento de fatos novos na apelação, essa possibilidade em nada contribui com a agilidade do processo. Não há qualquer relação entre as críticas que são efetuadas ao duplo grau de jurisdição e a possibilidade do conhecimento de fatos novos.




A crítica da crítica


As críticas ao duplo grau de jurisdição podem, por sua vez, ser objeto de críticas, haja vista que as proposições que são formuladas a partir delas precisam ser confrontadas com a realidade e com o que se espera do processo.

A celeridade é um dos elementos importantes para o processo, mas não necessariamente para a Justiça. Que justiça pode ser prestada em um processo sem o duplo grau de jurisdição? Ou nas palavras de Ricci: o duplo grau de jurisdição é uma irrenunciável garantia de justiça? (79)

Essa pergunta de Ricci consiste numa tentativa de tornar relativa "la proposta di radicali rimedi" (80) apresentada por Cappelletti, tendo em vista que todas as soluções com caráter radical produzem conseqüências cujos prejuízos não são compensados pelos benefícios que pretendem trazer.

Em primeiro lugar, é questionável que a supressão do duplo grau de jurisdição torne o processo substancialmente mais célere, tendo em vista que o período maior de duração de um processo está no primeiro grau e não na via recursal. A via recursal implica simplesmente a decisão, sem qualquer ato de instrução, consistindo em demora que é compensatória, se pesadas as vantagens e desvantagens do ato. A experiência demonstra que o processo passa maior tempo para "vista à parte contrária" do que no Tribunal para julgamento da apelação.

Além disso, carece de toda e qualquer segurança uma decisão monocrática de um Juiz de primeiro grau a qual não pode ser objeto de recurso. Hoje as decisões dos Juízes de primeiro grau possuem autoridade e respeitabilidade. Mas até que ponto esses mesmos Juízes, que hoje são fiscalizados pelo Tribunal, continuarão tendo a mesma autoridade e respeitabilidade se suas decisões deixarem de ser objeto de recurso?

Se não existe certeza sobre a maior justiça de uma decisão de segundo grau, não existe certeza sobre a eventual injustiça. Porém, como mencionou Allorio(81) há uma probabilidade maior de que um segundo exame sobre a mesma decisão tem chances maiores de propiciar justiça.

A realização de um novo exame sobre uma decisão que já foi proferida é um exame diferente daquele realizado sobre as afirmações das partes. Não se pode dizer que a operação realizada pelo Juízo de segundo grau seja uma mera repetição do que o de primeiro já fez, da mesma forma que é falsa a afirmação de que o Juízo de primeiro grau é uma mera ante-sala da decisão de segundo grau.

As afirmações constantes na inicial e na contestação são o objeto da sentença no julgamento de primeiro grau, enquanto no segundo grau o objeto da decisão do Tribunal é a própria sentença, é o Juízo formulado sobre o processo e a afirmação das partes.

Neste sentido, a decisão de segundo grau consiste numa atividade de verificação e de teste da decisão anterior. Embora não se possa dizer que a atividade de decidir seja científica, aplicam-se algumas regras que a ciência se utiliza para garantir a segurança da decisão, como por exemplo a prova dos 9, a reexperimentação, etc. Trata-se, em certa medida, de um grau único, (82) com fases diferenciadas, com a função de provocar melhor aceitação no sucumbente.

Isso não significa que a decisão de segundo grau faça parte de uma lógica do processo, mas da lógica do pensamento. O processo até pode ter uma lógica, mas não é tal lógica que define o seu conteúdo e seus passos. O que define os rumos do processo é a autoridade do legislador e da própria jurisprudência. (83)

Porém, o pensamento humano possui uma lógica baseada na estrutura das ciências e essa lógica tem um caráter dialético. O processo também tem um caráter dialético e, havendo dúvida, não há outro método do que a contraprova, que é realizada sobre os resultados da primeira experiência.

A experiência é o que confere aos juízos a segurança de que, pelos elementos conhecidos e comparados, não há exceção à regra que está sendo aplicada, o que é necessário tendo em vista o valor absoluto exigido por uma decisão que tem força de coisa julgada, ainda que a única certeza absoluta que derive de tal decisão seja a de que não há como se ter certeza da universalidade e justiça absoluta. (84)

A necessidade de segurança, combinada com a impossibilidade de uma verdade absoluta, leva à conclusão de que é preciso a realização do contraditório, da dialética sobre a própria decisão judicial, a fim de se conseguir formar um juízo que possa, pelo menos ter o status de verdade conjetural. (85) O conceito de verdade conjetural compreende as críticas que são feitas ao duplo grau de jurisdição, em especial a de que não há segurança absoluta da maior justiça da decisão de segundo grau, mas também compreende a afirmação já mencionada de Allorio de que há uma probabilidade maior de justiça.

Embora o duplo grau não gere um conhecimento absoluto, ele é um passo para que se afaste do relativismo absoluto, que torna completamente aleatório o resultado do processo. (86)

Isso significa que ao "nos referirmos à experiência, pensamos, direta ou indiretamente, a um complexo de formas e processos mediante os quais procuramos nos certificar da validade e intercomunicabilidade de nossas interpretações da realidade, bem como dos símbolos que em função delas constituímos." (sic.) (87)

A experiência é o resultado de um processo histórico de experimentação que revela a dimensão dinâmica e temporal do direito. (88) O experenciar é ação, mas também é esperar "no sentido de que aquilo que já foi objeto de experiência dispõe o homem a esperar que assim se reproduza". (89) E esta atividade humana de esperar, de formular juízos e de incorporar valores aos fatos, cria fatos valiosos(90) e trama a teia da cultura, participando juntamente com os fatos da natureza na construção da própria história.

Nesse aspecto, não se pode deixar de citar Lhumann, para dizer que o direito, entre outras, tem a função de diminuição da complexidade. Afirma na sua concepção de legitimação pelo procedimento, que é a adequação dos procedimentos às relações entre as pessoas que determina a legitimação de uma certa relação ou regra jurídica. Segundo essa concepção, o procedimento a ser adotado no processo de contratação é mais importante para determinar a legitimidade da conduta das partes do que o próprio conteúdo do contrato.

Da mesma forma, Luhmann afirma que a garantia do due process da constituição americana tem uma ligação íntima com os direitos materiais de liberdade, que antes de ser uma garantia procedimental, é uma garantia substancial da própria liberdade. (91) E esse argumento, que pode ser confirmado por dezenas de decisões judiciais demonstra que os procedimentos servem para descomplicar a vida, desde a época da law of the land, mas principalmente após a 5ª emenda da Constituição norte-americana. (92) Luhmann destaca o papel que o direito tem de servir como um sistema de descomplexificação da realidade, assim como de instrumento de transmissão e de adaptação social.

Assim, o duplo grau de jurisdição é um dos elementos centrais do sistema, que amplia a confiança e leva em conta as eventualidades susceptíveis de interferir nas decisões que desencadeiam inúmeros e desconhecidos comportamentos humanos. A possibilidade de um reexame da decisão do juiz de primeiro grau consiste em instrumento que dá confiança ao sistema, pois diminui as possibilidades de que o Juízo que foi apresentado é uma mera eventualidade decorrente das susceptibilidades humanas.

Seguindo no exame das críticas, não se pode dizer que a oralidade é perdida, pois num sistema em que a motivação é obrigatória e o duplo grau existe, o juiz deve trazer na sentença aqueles elementos que a oralidade lhe proporcionou, não só para o duplo grau, mas para a própria interpretação da sentença. Qualquer elemento de caráter puramente psicológico que tenha influenciado o Juiz no momento da colheita da prova, mas que não tenha sido relevante o suficiente para que o mesmo consolidasse tal fato na sentença, não tem qualquer valor sob o ponto de vista jurídico.

Para que o princípio da oralidade tenha influência no processo, é preciso que o Juiz traga para os autos os elementos de fato, as percepções que realizou e que os consolide na sentença. E, estando tais elementos na sentença, nada impede que o Juízo de segundo grau leve em conta tais elementos, seja por concordar com seus termos, ou até mesmo por reformar a sentença, tendo em vista que há subjetivismo derivado da apreensão sensível de determinados fatos.

A sentença não é retirada do processo no exame pelo Tribunal, mas é justamente o objeto das atenções da apelação. Por isso, há a soma do trabalho anterior, inclusive da oralidade. Ademais, como acentua Tarzia, o Tribunal de Apelação pode determinar a renovação das provas necessárias, caso não concorde com a valoração das mesmas realizadas pelo Juízo de primeiro grau, (93) o que também é admitido no direito brasileiro, principalmente tendo em vista a regra do artigo 130(94) do Código de Processo Civil.

Além disso, a demora no julgamento dos processos não tem qualquer relação com o duplo grau de jurisdição. O tempo que o duplo grau dilata no processo é mínimo, já que após as contra-razões ao recurso o próximo ato é o julgamento, o que pode ser feito em poucos dias.

O que avaliza a afirmação acima é o fato de que a estatística foi um dos elementos que motivou Cappelletti a propor a supressão do duplo grau de jurisdição, pois no ano de 1968, na Itália, um processo permanecia cerca de dezoito meses perante o pretor, trinta meses perante o tribunal e, no segundo grau, permanecia cerca de vinte e cinco meses no tribunal e vinte e dois na corte de apelação. (95)

Diante disso constata-se que há uma confusão entre a falta de condições materiais, falta de juízes, serventuários, carência de recursos humanos e financeiros para o Judiciário com direitos que supostamente resultam em dilação temporal para o seu exercício. Porém, não será abolindo direitos que a crise material do poder judiciário será solucionada.

Embora seja um problema mundial, provavelmente provocado pela urbanização e pela sociedade de massas, um dos elementos mais importantes de tal crise é a massiva procura do poder judiciário para resolver os problemas sociais e intersubjetivos. Não é o direito de recorrer que torna o processo lento, mas sim a falta de Juízes, a falta de condições materiais para que os órgãos do poder judiciário exercitem suas funções.

O que se observa nos Tribunais é que os processos são julgados por pessoas que não têm competência funcional para tanto. Exemplo disso é a estatística segundo a qual os Ministros do Supremo Tribunal Federal, no ano 2000, julgaram cerca de 22 processos por dia, computando 365 dias por ano, sem qualquer feriado ou final de semana, o que é humanamente impossível, salvo se a decisão tenha sido proferida por outras pessoas que os próprios Ministros. (96) Isso fica mais evidente com o confronto do número de processos existentes no ano de 1940, quando o Supremo Tribunal Federal julgou 1.804 processos, enquanto no ano 2000 julgou 86.138 processos.

Deve-se repetir: não será abolindo direitos que a crise do judiciário será solucionada. (97)

O caráter colegiado dos tribunais tem a função de limitar o poder, exercitar a dialética da decisão e evitar arbitrariedades e abusos: a assembléia não veio da reflexão, mas a reflexão veio da assembléia. (98) O exame múltiplo realizado ao mesmo tempo é melhor que um exame só. Sempre que se quer maior certeza a multiplicidade auxilia e diminui as chances de aberrações. Ou seja, o duplo grau de jurisdição implica à possibilidade de conceder à decisão judicial a autoridade que deriva do maior consenso possível que existe na comunidade jurídica, cujo critério aferidor está, evidentemente, nos tribunais de apelação, nas turmas e câmaras que julgam as matérias de forma colegiada.

No sistema brasileiro há dois elementos importantes que devem ser acrescidos ao simples fato da decisão de segundo grau ser colegiada. O primeiro é a possibilidade de sustentação oral perante os Tribunais, assim como apresentação de questões de ordem de maneira oral; a segunda é o fato de os tribunais incluírem entre os seus quadros, além de Juízes de carreira, membros do Ministério Público e Advogados, nomeados por meio do quinto constitucional.

Embora o Relator profira boa parte das decisões, com simples acompanhamento pelos demais membros da Câmara, a possibilidade de sustentação oral e de revisão dos processos é um mecanismo para evitar decisões que fogem ao consenso mínimo que reina na comunidade jurídica.

Nesse sentido, o quinto constitucional constitui-se em oxigênio indispensável que areja o clima corporativo dos órgãos de segundo grau, tendo em vista a mentalidade dos Julgadores que provém de operadores jurídicos que não atuaram perante a magistratura de carreira.

Cabe observar ainda que o Juiz de primeiro grau realiza toda a instrução e saneamento do processo, além da decisão, significando um volume de trabalho significativo sobre cada processo, que pode deixar desapercebidos aspectos relevantes que os juízes mais experientes podem identificar.

Isso, sem contar os aspectos psicológicos provocados pelas decisões de segundo grau, que conferem maior aceitação e legitimidade da decisão perante a população. E, nesse aspecto, o duplo grau de jurisdição interessa ao Estado a fim de realizar o direito objetivo e a pacificação social.

Ademais, a prática desmente que a oralidade não seja levada em conta, já que os casos em que o comportamento processual da parte for relevante, a impressão de tal comportamento é posta na sentença. (99) Além disso, a existência de férias forenses e a substituição de juízes fazem com que o juiz da instrução nem sempre seja o juiz que profere a sentença.

Também é falsa a afirmação de que decisão de primeiro grau é neutra e é mera ante-sala da verdadeira jurisdição, pois ainda que a decisão seja reformada, a decisão de segundo grau tem por objeto a decisão de primeiro que se constitui num elemento importante para uma decisão definitiva. (100)

Além disso, a apelação, que é o mecanismo pelo qual se realiza o duplo grau de jurisdição, muitas vezes tem a função de garantir um único grau satisfatório de jurisdição, tendo em vista os casos em que as questões podem ser decididas no âmbito do apelo, sem que tenham sido devidamente tratadas no primeiro grau de jurisdição. (101) Embora essa discussão a respeito da apelação como mecanismo de garantia de que a jurisdição seja exercitada em pelo menos um grau de jurisdição tenha como base o ordenamento italiano, a partir das idéias de Ricci, é comum no direito brasileiro a submissão de algumas matérias unicamente a um único grau de jurisdição, principalmente tendo em vista a redação do artigo 517 do Código de Processo Civil, que permite a dedução de novos fatos perante o Tribunal de Apelação e principalmente em face de nova redação do artigo 516 do Código de Processo Civil, cuja redação foi determinada pela Lei n. 8.950, de 13 de dezembro de 1994. (102)

A execução provisória, por sua vez, é fonte de incerteza, de grandes riscos e insegurança. Atualmente a execução provisória da sentença é limitada, e será mais ainda se for suprimida a apelação, pois os recursos aos Tribunais Superiores (extraordinário e especial) tornariam mais relativa e frágil a distinção entre questão-de-fato e questão-de-direito. (103)

Comoglio ao analisar algumas propostas de reforma da Constituição Italiana, em especial a que propõe não incluir o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional, afirma que em tais situações o recurso de cassação, com fundamento na violação da constituição, tornar-se-á em um recurso alternativo à apelação, demonstrando, entre outros aspectos, a tendência de se relativizar a distinção entre questão-de-fato e questão-de-direito (104)

A tendência no caso de eliminação dos Tribunais de apelação seria a sobrecarga absoluta dos Tribunais aos quais cabe o controle da legalidade e da constitucionalidade, e que teriam competência mudada pela força dos fatos, pois, caso houvesse erro visível sobre os fatos, tais erros seriam corrigidos, transformando tais tribunais em tribunais de apelação.

Essa função de controle dos Juízes de segundo grau sobre os de primeiro grau é ineliminável e eficaz. Decisões aberrantes, erros graves a respeito dos fatos e o risco da parcialidade difusa e ideológica são afastadas pelo tribunal, a quem cabe, também as decisões que examinam a imparcialidade dos Juízes, como nos casos de exceção de suspeição e de impedimento do Juiz. (105)

A quem caberia o julgamento de processos em que a parcialidade é difusa e ideológica, o que só aparece na sentença? E o julgamento das exceções de suspeição e impedimento? Sem dúvida tal matéria depende da existência de uma classe de Juízes sem espírito de corporativismo e hierarquicamente superior aos Juízes de primeiro grau.



Conclusão

Após a análise do direito positivo, das críticas ao duplo grau de jurisdição e das criticas à crítica, pode-se afirmar que é possível a criação de mecanismos de agilização das ações judiciais para que o direito da parte seja realizado de forma breve e rápida, mediante a criação de ações de cognição parcial, ou até mesmo sumária, como nos casos da ação monitória, ou da ampliação do rol dos títulos executivos extrajudiciais.

Embora em tais procedimentos seja limitado o direito de ação e de defesa, isso não significa a impossibilidade de defesa, pois existem meios para se atacar a pretensão, como é o caso dos embargos à execução. Porém, a impossibilidade de interposição da apelação gera coisa julgada e os meios de atacar a coisa julgada, como a ação rescisória e mesmo os recursos extremos não admitem discussão sobre os fatos. E, não permitir revisão a respeito dos fatos significa outorgar poderes extremamente grandes nas mãos de um só juiz, o que é do ponto de vista da democracia, perigoso, já que uma só voz significará a primeira, única e última voz.

A esse respeito, importante pesquisa foi apresentada por Djanira Maria Radamés de Sá, segundo a qual, estudo realizado em todo o país demonstrou "que a maioria dos juízes de primeiro grau entende deva ser dispensável a atuação dos advogados no processo, o que revela sua pouca disposição democrática e a insensibilidade para a real função do processo". (106)

No regime do Código de Processo Civil, a matéria é limitada à cognição daquilo que já foi produzido nos autos, com severos limites a produção de novas provas, que devem obedecer a dispositivos específicos. Apesar de a doutrina considerar o duplo grau como ínsito no sistema, "a Carta da República não ministra, no particular, qualquer conceito que se imponha ao legislador ordinário; nem mesmo alude, expressis verbis, ao princípio". (107)

Comoglio afirma um novo conceito de duplo grau de jurisdição, que implica na dupla cognição de mérito, mas que não é feita necessariamente por um juiz superior ao juiz de primeiro grau, mas em que se garanta um segundo exame de mérito, que na prática não se realiza na presença de novas provas ou de novas deduções após a sentença. O autor afirma que tal princípio não tem mais um caráter constante nos modelos consitucionais e internacionais de justiça, tendo em vista as limitações impostas nos diversos ordenamentos jurídicos, em especial na common law, que não refuta de incluir o duplo grau de jurisdição de mérito entre os requisitos essenciais do due process of law, exceto em matéria penal, tendo em vista a Convenção Americana de proteção dos Direitos Humanos.

Porém, ao mesmo passo em que se transforma para sofrer limites, surge uma espécie de "terzo grado" de jurisdição, consistente na possibilidade de dedução de recurso à Corte Suprema, um "last of resort" em que de fato se pode tratar de legitimidade e do mérito da decisão. (108)

A respeito disso, a Suprema Corte italiana tem decidido que a inviolabilidade do direito de defesa garante a completa atuação, não tanto para garantir a dupla instância, mas a possibilidade de submeter ao Juiz cada questão e cada razão que não esteja legitimamente preclusa, assim como há garantia de que entre um grau e outro nunca ocorra supressão de um grau de jurisdição, embora deva existir a possibilidade de submeter todas as questões a dois juízes de instâncias diversas, ainda que o de primeiro grau não tenha decidido toda a matéria. Por fim, a corte italiana não garante uma cognição plena em cada grau de jurisdição, em especial no juízo da apelação. (109)

Com enfoque no direito italiano, Ricci afirma que a sentença que for omissa a respeito de determinado ponto objeto da demanda e que se submete ao apelo, não é propriamente uma sentença nula, sendo lícito ao Tribunal de Apelação julgar integralmente o pedido, caso em que o duplo grau realiza um só grau de jurisdição. (110) Porém, para que o caráter de garantia seja mantido, não basta uma duplicidade de decisões, mas que a decisão de primeiro e de segundo grau tenham tratado sobre o mérito. (111) Caso contrário, o apelo será uma garantia institucional de um único grau de jurisdição, cumprindo a exigência irrenunciável de pelo menos uma satisfatória atuação jurisdicional. (112)

Em sentido contrário, no regime constitucional brasileiro o princípio do duplo grau de jurisdição continua sendo considerado como um direito da parte, naqueles casos em que há previsão legal, tendo sido rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal a afirmação de que o duplo grau integra o princípio do devido processo legal. (113)

Porém, excetuada a regra fixada pela própria Constituição Federal, a respeito dos juizados especiais cíveis e criminais, que permite o julgamento dos recursos para juízes de mesma instância, não há o que se falar em supressão do duplo grau de jurisdição.

A Constituição Federal, nesse aspecto, não suprimiu o duplo grau de jurisdição, mas estabeleceu uma modificação em relação à sua estrutura, para que o julgamento seja efetuado por juízes da mesma instância que, na prática, consistem em juízes que cumprem as funções dos tribunais de apelação, revelando norma de caráter cultural, adequada ao sistema constitucional, de conceder sempre o direito de exercitar o duplo grau de jurisdição, não só como elemento inerente ao devido processo legal, mas também ao princípio do Estado de Direito.

Quanto à posição do Supremo Tribunal Federal de não considerar o duplo grau de jurisdição como inerente ao devido processo legal, deve-se lembrar que aos juristas, na condição de operadores do direito, não cabe o mero papel de descritores e exegetas, mas também o de problematizadores das questões que são inerentes ao sistema constitucional e democrático, em prol da realização dos princípios maiores do ordenamento.

Além disso, nada melhor do que a lição de Calamandrei, segundo a qual não se pode desistir de uma tese, por ter sido ela contrária a jurisprudência pacífica, já que uma das características e função da jurisprudência é justamente de dotar o ordenamento de uma fonte normativa flexível e mutável. (114)




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NOTAS


(1) Essa foi uma das razões para a uniformização do conceito de sentença, mediante a redação do artigo 162, §2º, segundo o qual "sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa", afastando a duplicidade recursal que existia no Código de Processo Civil de 1939 (apelação e agravo de petição).

(2) CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia e società. Milano: Edizioni di Comunità, 1972, p. 365: "Questa situazione rappresenta senza dubbio uma gravissima limitazione di fatto del diritto di azione e, in generale, del diritto alla tutela giurisdizionale, onde può prospettarsi la violazione, oltreché della specifica disposizione conteuta nell'art. 6, comma 1º, della Convenzione europea (."ogni persona Hannah Arendt diritto ad un'equa e pubblicca udienza entro um termine ragionevole.") dell'art. 24 della Constituzione". CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologias, sociedad. Buenos Aires: Ediciones juridicas Europa-América, 1974. "Come tutte le provocazioni, lo scritto di cappelletti ebbe tuttavia anche l'effetto di um invito a riflettere: tanto più che, superato il primo stupore, era necessario riconoscergli um preciso legame com tesi più antiche". RICCI, Edoardo F. Sul principio del doppio grado di giurisdizione. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1978, p. 61.

(3) "Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio juizado. §1º. O recurso será julgado por uma turma composta por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do juizado".

(4) "Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior".

2º TACivSP, Ap. Sum. 180.369-3 - 1ª Câm. Rel. Juiz Franklin Neiva, j. 10.06.1985, Julgados do Tribunal de Alçada Cível de são Paulo, RT 100, nov/dez 1986, p. 269 e ss.: "As questões de fato não propostas no juízo inferior não poderão ser suscitadas na apelação, pois, a não ser assim, as novas questões de fato seriam apreciadas como ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição".

(5) CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia e società. p. 116: "Il primo essenziale diffetto, che non si riconstra né nei paesi socialisti, né - specie peri ciò che concerne il processo civile - in quelli anglosassoni, è la profonda svalutazione dell giudizioo di primo grado, com la connessa glorificazione, se così posso dire, dei giudizi di gravame".

(6) MONTEIRO, João. Theoria do Processo Civil. São Paulo: Typographia Acadêmica, 1936, p. 601.

(7) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VII. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 19.

(8) MONTEIRO, João , Op. Cit., p. 599 e 600.

(9) LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 28 - 41.

(10) LASPRO, Oreste Nestor de Souza, Op. Cit. p. 41.

(11) PIZZORUSSO, Alessandro. Doppio grado di giurisdizione e principi constituzionali. Rivista di Diritto Processuale. 1978, p. 33

(12) "Trata-se, portanto, em sua origem, de instituto garantidor da burocracia judiciária, enquanto elemento hierárquico-autoritário, ou seja, verdadeiro instrumento formador ada organização judiciária e de fiscalização sobre a atividade dos juízes". LASPRO, Oreste Nestor de Souza, Op. Cit. p. 176.

(13) MONTEIRO, João , Op. Cit., p. 601.. "Tanto assim, que ao serem revolucionariamente derrubadas as ordens judiciarias, aprimeira questão que em taes assumptos levantou a constituinte foi a de saber si haveria mais de um grau de jurisdicção ou si devia ser abolido o uso da appellação"

(14) MONTEIRO, João , Op. Cit., p. 602.

(15) LASPRO, Oreste Nestor de Souza, Op. Cit. p. 176.

(16) LASPRO, Oreste Nestor de Souza, Op. Cit., p. 58, nega que as querimônias tenham sido formas recursais: "A sua habitualidade é até mesmo questionável porque nesse período a Corte ainda não havia se fixado, ou seja, o rei permanecia de modo constante, a viajar por todo o reino, razão pela qual o queixoso deveria, possivelmente, aguardar a vinda do rei para que pudesse se queixar ou embrenhar-se por uma aventura pelo reino a sua procura, o que, em uma época tumultuada como aquela, tinha uma conotação épica".

(17) "Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - que anular o casamento; II - proferida contra a União, o Estado e o Município; III - que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, n. VI). Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o presidente do tribunal avocá-los".

(18) CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992, p.233.

(19) Idem, ibidem, p. 232 - 236.

(20) Idem, ibidem, p. 233.

(21) Após as lições de KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito. São Paulo/Brasília: Ed. Martins Fontes & Ed. Universidade de Brasília, 1990, é necessário distinguir norma de lei, tendo em vista o caráter abstrato do direito, que tem nas leis uma de suas fontes das normas jurídicas. Sobre este mesmo tema, veja-se os seguintes textos: AMSELEK, Paul. Norme et Loi. Archives de Philosophie du Droit, T. 25, 1980, p. 89-121 e GARDIES, Jean Luis. Systeme Normatif et Systeme de Normes - Dialogue à trois Voix. Archives de Philosophie du Droit, v. 19, 1974, p. 75-87.

(22) TARZIA, Giuseppe. Paritá delle armi tra parti e poteri del giudice nel processo civile. Padova, Cedam, 1989, p. 311 - 320.

(23) ".e cioè che, se il giudice è libero nella qualificazione giuridica della controversia, egli non può tuttavia rettificare l'impostazione data dalle parti, o comunque provvedere su uma questione di diritto da lui ritenuta rilevante, senza che abbia provocato le parti stesse alla discussione". TARZIA, Giuseppe. Op. Cit., p. 317.

(24) OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório In: TUCCI, José R. C e, e Outros. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 139.

(25) TARZIA, Giuseppe. Op. Cit., p. 318.

(26) GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do processo. Defesa, contraditório, igualdade e par condicio na ótica do processo de estrutura cooperatória. Rio de Janeiro: forense universitária, 1990, p. 1-8.

(27) Idem, ibidem, p. 6.

(28) Idem, ibidem, p. 5.

(29) "Ci troviamo dunque di fronte ad uno sviluppo ancora nuovo e contrastato del principio del giusto processo e dell'obligo del giudice al contraddittorio e al connesso rispetto della parità della armi: parità che è indubbiamente violata da ogni decisione a sorpresa, quale che sai l'elemento, di fatto o di diritto, sul quale la sorpresa incide; ed è appena il caso di aggiungere che i rilievi svolti valgono quindi anche per le questioni di fatto rilevabili d'ufficio". TARZIA, Giuseppe. Op. Cit., p. 319.

(30) Supremo Tribunal Federal, Agrag 151641, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 27.06.1997, publicado no DJ em 12.09.1997.

(31) "Art. 34. Das sentenças de primeira instâncias proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN só se admitirão embargos infringentes e de declaração".

(32) Supremo Tribunal Federal, Ag. Inst. N. 114.709-1/CE, 2ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. 29.05.1987: "Recurso extraordinário. Duplo grau de jurisdição obrigatório. Inocorrência de maltrato quer ao §4º do art. 153, quer ao art. 122, III, ambos da Constituição Federal. Ao dispor a Lei 6.830-80 que as causas que não atingiram determinado valor ficam sujeitas a recurso de embargos para o próprio Juiz não fere quer o § 4º do art. 153 da Constituição Federal, quer o art. 122, III, também da Lei Maior. O primeiro apenas assegura que não pode ser excluída da apreciação do Judiciário qualquer lesão a direito individual o que não significa obrigatoriedade de apreciação da lide por mais de um órgão do Judiciário; e o segundo estipula que ao Tribunal Federal de Recursos é que cabe julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos Juízes Federais, não significando isso que todas as causas devam ser julgadas por aquela corte, mas sim aquelas em que caiba recurso para a instância superior".

(33) Supremo Tribunal Federal, RHC n. 32.161, Primeira Turma, Rel. Min. Luis Galloti, j. 22.06.1953, DJ 20.06.1953, p. 285.

(34) "§2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

(35) Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969.

(36) SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de jurisdição: problematização em nível constitucional, à luz de um conceito material de direitos fundamentais. Ajuris, v. 66, 1996, p. 119.

(37) Supremo Tribunal Federal, AGRAG n. 248761/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, J. 11.04.2000, DJ. 23.06.2000.

(38) PONTES DE MIRANDA, F.C. Op. Cit., p.5.

(39) Idem, ibidem, p. 20.

(40) REALE, Miguel. Experiência e cultura. Campinas: Bookseller, 1999, p. 238.

(41) GROSSI, Paulo. El punto y la línea. História del derecho y derecho positivo em la formación del jurista de nuestro tiempo. p. 23. "El historiador puede y debe advertir al privatista y al publicista, a estos enamorados de los valores transmitidos por el ayer inmediato, que los mismos constituyen tan sólo el fruto de dicho pasado próximo y que tan sólo desde hace doscientos años la Europa continental vive de tales valores: que el mundo histórico há vivido también de valores y de unos valores alternativos, si no incluso contrarios". P. 24.

(42) "Parlare di 'pensiero giuridico' significa infatti credere che il livello del diritto non è quello né della mera esecuzione passiva di forze inerenti ad altre dimensioi, né quelo del discorso semplicemente tecnico; testimonia la convinzione che al contrario, il diritto, nella sua essenza, fisiologicamente, è espresione fedele di ina civiltà". GROSSI, Paolo. Pensiero Giuridico - Appunti per una "voce" enciclopedica. Separata da Revista Quaderni Fiorentini, n. 17, 1988, p. 264.

(43) OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório In: TUCCI, José R. C e, e Outros. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 132.

(44) GROSSI, P. El punto y la línea., p. 29. "El presente sólo es um fragmento, um fragmento que además resulta por naturaleza manco y mudo, tan deficiente e inexpresivo que sólo puede ser objeto de miradas miopes. Con las fuerzas exclusivas del presente no se construye el futuro".

(45) SAN TIAGO DANTAS, F.C. de. Problemas de Direito Positivo. Rio de Janeiro: Forense, 1953, P. 51.

(46) ".a noção do law of the land foi acolhida pela Constituição Americana, que lhe deu, por sua vez, maior latitude. Diversamente do que ocorreu com o art. 39, da Magna Carta, que pôs o due process como garantia de legalidade, sem força vinculativa do legislador, dado o princípio da supremacia do Parlamento, a constituição americana formulou-o como garantia de justiça, a ele submetendo também o Poder Legislativo". CALMON DE PASSOS, J.J. O devido processo legal e o duplo grau de jurisdição. Ajuris, v. 15, julho de 1982, p. 131.

(47) Idem, ibidem, p. 132. O princípio "oferece elementos em branco, cuja determinação varia com o variar das condições histórico-políticas e econômico-sociais do momento".

(48) SAN TIAGO DANTAS, F.C. de. Op. Cit., p. 45.

(49) Idem, ibidem, p. 47.

(50) FREDERICO MARQUES, José. Manual de Direito Processual Civil. v.1. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 76.O autor só admite a supressão do 2º grau de jurisdição, quando não coletivo, e sim, monocrático o órgão jurisdicional inferior, nas causas de pequeno valor". Com base em tal afirmação, diz que é possível eliminar o duplo grau as decisões de juízes singulares, em razão do valor da matéria, mas quando a questão disser respeito a competência originária do segundo grau, não há possibilidade de suprimir o duplo grau.

(51) CALMON DE PASSOS, J.J. Op. Cit., p. 133 e ss

(52) Idem, ibidem, p. 134.

(53) COMOGLIO, Luigi Paolo. Il doppio grado di giudizio nelle prospettive di revisione costituzionale. Rivista de dirito processuale, 1999, p. 321: "in uma logica correlazione fra garanzie diverse, sovente si assume che la stessa garanzia dell'"obbligo di motivazione" (.) abbia uma rilevanza sussidiaria e complementare, sì da porsi in connessione stretta e strumentale non solo com il rispetto del principio di "legalità" (.), ma anche com l'effettività del ricorso straordinario in cassazione, configurato dall'art. 111, 2º comma, come sempre ammissibile per violazione di legge nei confrontei di qualsiasi sentenza".

(54) Idem, ibidem, p. 323 e 325.

(55) "Nenhum homem livre será detido ou preso ou tirado de sua terra ou posto fora da lei ou exilado ou, de qualquer outro modo destruído (arruinado), nem lhe imporemos nossa autoridade pela força ou enviaremos contra ele nossos agentes, senão pelo julgamento legal de seus pares ou pela lei da terra". LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido processo legal. Porto Alegre, Sérgio Fabris, 1999, p. 30. O trecho acima transcrito é tradução feita pela autora do capítulo 39, escrito em latim, no original.

(56) Idem, ibidem, p. 185.

(57) Supremo Tribunal Federal, HC n. 71124/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Sepulveda Pertence, j. 28.06.1994, DJ. 23.09.1994, p. 669.

(58) "Causas de alçada, aplicação da Lei n. 6.825/80. O artigo 4º da Lei n. 6.825/80 não se limitou a suprimir um recurso ou a substituir um por outro, pois, em verdade, aboliu, nas causas de alçada, a competência recursal dos tribunais de segunda instância e a atribuiu aos juízes de primeiro grau, algerando, dessa forma, a organização judiciária, .". Supremo Tribunal Federal, RE n. 99.894/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Soares Munoz, j. 19.04.1983, DJ 13.05.1983, p. 1286.

(59) ".Diante do disposto no inciso III do artigo 102 da Carta Política da República, no que revela cabível o extraordinário contra decisão de última ou única instância, o duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não consubstancia garantia constitucional". Supremo Tribunal Federal, AGRAG n. 209954/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurelio, j. 15.09.1998, DJ. 04.12.1998.

(60) ".Não tem razão o recorrente quando pretende que, em face no disposto no artigo 5º, LV e parágrafo 1º, da Constituição Federal, esta constitucionalizou o princípio do duplo grau de jurisdição, não mais admitindo decisões de única instância, razão por que não foi recebida pela nova ordem constitucional a Lei 5.584/70". Supremo Tribunal Federal, RE n. 201297/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 01.10.1997, DJ 05.09.1997.

(61) "Acórdão que, em ação penal originária, condenou o recorrente com base na prova dos autos. Pretensão de reexame da matéria de fato. Duplo grau de jurisdição. Questão insuscetível de ser apreciada ante a impossibilidade de reexaminar-se em sede extraordinária a matéria de fato, ainda que em processo criminal de competência originária do Tribunal de Justiça, não sendo o duplo grau de jurisdição uma garantia constitucional". Supremo Tribunal Federal, AGRAG n. 248761/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, J. 11.04.2000, DJ. 23.06.2000.

(62) "Multa por degradação ao meio ambiente. Exercida defesa prévia à homologação do auto de infração, não padece de vício de inconstitucionalidade a legislação municipal que exige depósito prévio do valor da multa como condição ao uso de recurso administrativo, pois não se insere, na carta de 1988, garantia do duplo grau de jurisdição administrativa". Supremo Tribunal Federal, 1º Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 05.12.1997, DJ. 27.03.1998.

(63) "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também.".

(64) BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Forense, 1976, p. 222.

(65) "Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de Advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes. Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação".

(66) OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 67: "A questão encontra-se, outrossim, entrelaçada com o valor segurança, também importante para o processo, a reclamar respeito ao direito objetivo como um todo (.) Constituem exemplos dessa predisposição no direito brasileiro, o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, o recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, a ação direta de inconstitucionalidade e o instituto da uniformização de jurisprudência".

(67) OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 67. ".subjaz no fundo o interesse estatal, seja pela coordenação do conteúdo dos julgamentos, seja pela declaração de ilegitimidade das leis infraconstitucionais, tudo para diminuir as possibilidades de erros e contradições, incrementando, assim, mediante o aperfeiçoamento da distribuição de justiça, a confiança do cidadão na autoridade do Estado".

(68) BARBOSA MOREIRA, Op. Cit., p. 222

(69) Mesmo no direito italiano desapareceram algumas das condições para as críticas de Cappelletti, tendo em vista as reformas ocorridas no início da década de 90 e a Lei n. 254, de 16 de julho de 1997 e respetivo decreto legislativo n. 51, de 19 de fevereiro de 1998, que tratou sobre a "istituzione del giudice único di primo grado". TARZIA, Giuseppe. L'instituzione del giudice único di primo grado e il processo civile. Rivista di Diritto Processuale. Padova, Cedam, 1999, p. 621 - 645.

(70) ALLORIO, Enrico. Sul doppio grado del processo civile. Studi in onore di Enrico Tullio Liebman, v. III, Milano, Giufrrè, 1979, p. 1789. No mesmo sentido PASSOS, Calmon, Op. Cit., p. 134; ".os defensores dos recursos se escudam na inquestionável falibilidade humana, impondo-se a correção dos erros de ciência e de consciência dos magistrados, sem esquecer a maior probabilidade de acerto quando maior o número dos que examinam a mesma hipótese, a par do risco social grave do arbítrio dos magistrados do primeiro grau, se eliminada a possibilidade de controle de suas decisões".

(71) BARBOSA MOREIRA, Op. Cit., p. 222.

(72) CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia e società, p, 115: "l'eccessiva durata del processo offre generalmente alla parte più ricca uma posizione di privilegio nei confronti dell'avversario".

(73) Idem, ibidem, p. 116: "il primo grado di giudizio è solo uma lunga fase di attesa, uma sorta di dannosa e spesso estenuante e penosa anticamera per giungere alfine alla fase di appello; e quest'ultima è il solo vero giudizio, almeno per la parte che economicamente se lo può concedere".

(74) LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, p. 28 - 78.

(75) Trabalho de grande contribuição para a ciência política e para a distinção entre representação e delegação é o de ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco. A democracia representativa na República (antologia). Brasília: Senado Federal, edição fac-símilar, 1998.

(76) CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologias, sociedad. Buenos Aires: Ediciones juridicas Europa-América, 1974.

(77) CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia e società. p. 119. A proposta de Cappelletti chegou a ser formulada sob a forma de lei, verbis: "Art. I. La procedura seguita per i procedimenti davanti ai pretori, si estende ai procedimenti in tribunale. Um giudice único provvede sai all'istruzione che alla decisione della causa. Sono abrogate le disposizioni concernenti il giudice istruttore.

Le preture esistenti diventano sezioni di tribunale.

Art. II. È soppresso il giudizio di appello

Art. III. Le corti di appello sono transformate in sezioni distaccate della Corte di ccassazione. Esse decidono nella composizione di ter giudici.

La Corte di cassazione si articola in uma Corte di cassazione centrale e sezioni distaccate corrispondenti alle soppresse corti di appello.

Art. IV. Contro tutte le sentenze di primo grado è ammesso ricorso in cassazione per i motivi previsti dall'articolo 360 codici di procedura civile. (.)

Art. V. Le sentenze di primo grado hanno efficacia esecutiva. Si applicano le disposizioni dell'art. 373 codice di procedura civile.

Art. VI. Sarâ data pubblicità al numero e alla durata dei procedimenti iniziati e decisi, com riguardo non soltanto a ciascun organo giudiziario e sezione di esso, ma anche a ciascun giudice individualmente.".

(78) Proposta baseada nas idéias de PIZZORUSSO, Alessandro. Doppio grado di giurisdizione e principi constituzionali. Rivista di Diritto Processuale. 1978, p. 33 e ss.

(79) RICCI, Edoardo F. Sul principio del doppio grado di giurisdizione. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1978, p. 62. A resposta de Ricci, porém, não está afinada completamente com a direção deste trabalho, pois segundo ele "la difesa del doppio grado come garanzia di giustizia irrinunciabile, per quanto appassionata, impegnata e magari in sé convincente dal punto di vista ideologico e politico, sai poi destinata a scontrarsi contro la se si vuole più banale ma irrimediabile realtà delle cose". P. 64.

(80) CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia e società, p. 111.

(81) ALLORIO, Enrico, p. 1792: "Si tratta, al solito, di discernere se la (problematica) minore rapidità debba preferirsi alla probabile maggior giustizia della decisione (.) la delicata questione non può resolversi nell'automatismo di uma misura temporale della durata del processo com único grado a paragone del processo com doppio grado. Questione di questo genere non si risolvono solo col calendario.".

(82) RICCI, p. 65. "Attraverso l'appello - si è detto dunque - il sistema realiza spesso non um grado doppio ma um grado único.".

(83) SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p.94.

(84) Para Kant "a experiência jamais dá aos seus juízos universalidade verdadeira ou rigorosa, mas somente suposta e comparativa (por indução), de maneira que temos propriamente que dizer: tanto quanto percebemos até agora, não se encontra nenhuma exceção desta ou daquela regra". KANT, I. Op. Cit., p. 54.

(85) REALE, Miguel. Verdade e Conjetura. São Paulo: Nova Fronteira, 1983.

(86) O resultado de toda a experiência do sujeito é a cultura, que influencia no experenciar e no conhecer o objeto. Mais do que isso: esse processo não resulta na verdade, mas no conhecimento conjetural, pois o resultado das proposições deve ser válido no contexto histórico-cultural do sujeito que determina parte do conteúdo do objeto, que nunca é apreendido em si mesmo. A apreensão em si mesmo como experiência puramente racional determina o conteúdo do próprio objeto e significa que parte do objeto já contém o sujeito. A verdade está limitada, portanto, pelo conhecimento conjetural. REALE, Miguel. Verdade e conjetura, p. 05 e ss.

(87) REALE, M. Experiência e cultura, p. 14.

(88) Idem, ibidem, p. 21.

(89) Idem, ibidem, p. 21 e 22.

(90) Os fatos valiosos são fatos referentes a valores, mas que não se confundem com os valores. Assim, uma "sentença justa, por exemplo, é um fato valioso, mas por mais que ela seja do mais alto significado, não se confunde com a justiça, que é um valor que transcende o ato justo". Idem, ibidem, p. 20.

(91) LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UNB, 1980, p. 22.

(92) Idem, ibidem, p. 25: "Para toda a gente o mundo é excessivamente complexo, cheio de possibilidades imprevisíveis e, como tal, desconcertante. Cada indivíduo precisa, portanto, duma orientação significativa e duma direção de vida para poder adotar obras de seleção de outros, quer dizer, que possa tratar o sentido que os outros escolheram, como tal e não como se fosse diferente. Essa transmissão pode ser realizada por meio de mecanismos sociais diversificados, que nas sociedades mais primitivas não se diferenciam, atuam em conjunto e trazem, portanto uma 'reconstrução da realidade' de complexidade diminuta".

(93) TARZIA, Giuseppe. Realta' e porespettive dell'appello civile. Rivista di Diritto Processuale. Padova, Cedam, 1978, p. 91 .

(94) "Art. 130. Caberá ao Juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias".

(95) CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia e società, p. 365. As informações utilizadas por Cappelletti foram provenientes do Compendio statistico italiano 1970, publicado pelo Instituto Central de Estatística.

(96) Segundo informações constantes no site do Supremo Tribunal Federal, página www.stf.gov.br, foram julgados 86.138 processos no ano 2.000. Considerando-se o número de ministros (onze), cada ministro julgou 7.831 processos durante o ano, o que significa cerca de 22 processos por dia, considerando-se 365 dias por ano.

(97) SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p.94. ".o que costuma acontecer no País é a proposta de soluções que, em vez de afrontarem as reais causas desencadeadoras da problemática detectada, buscam caminhos tortuosos que, via de regra, levam à infringência de algum postulado constitucional, em detrimento dos direitos do cidadão".

(98) PONTES DE MIRANDA, F. C. Op. Cit., p. 11. "A ciência ensina-nos hoje, que a assembléia não nos veio da reflexão; foi a reflexão que veio da assembléia. Portanto, o homem é que é produto da assembléia. Essa prioridade do exame múltiplo ao mesmo tempo, em relação ao exame de um só, se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza. A colegialidade para a decisão dos recursos obedece a esse pendor íntimo do homem quando se deseja guiar pela razão".

(99) Exemplo disso é a sentença proferida pelo Juiz Luís Gustavo Pedroso Lacerda, nos autos do processo registrado sob n. 100 744 706, da 7ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, julgado em 31 de agosto de 2,000: "Havendo dúvida sobre a lisura do réu na declaração de seu endereço, em audiência, pela forma tergiversadora com que respondeu ao juízo, bem como o desatendimento à intimação da testemunha Miriam M. de Oliveira, extraíam-se cópias dos termos, certidões e depoimentos, remetendo-se-ás à Coordenadoria das Promotorias Criminais, para as providências que aquele órgão entender cabíveis" (fls. 165 dos autos).

(100) Segundo Emílio Betti, é inerente ao conceito do duplo grau de jurisdição o cômputo do trabalho anterior. Emilio. Diritto processuale civile italiano. 2ª ed. Roma: Foro Italiano, 1936.

(101) ".la verifica dei casi nei quali l'appello civile, nel nostro ordinamento, diversamente da altri e soprattutto dall'ordinamento austriaco, funge da strumento non per la realizzazione del doppio grado, ma per la integrazione di um grado único". TARZIA, Giuseppe. Realta' e porespettive dell'appello civile. Rivista di Diritto Processuale. Padova, Cedam, 1978, p. 86.

(102) "Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas".

(103) Sobre a distinção entre questão-de-fato e questão-de-direito e a sua problemática relacionada com a mentalidade jurídica subsuntiva ver NEVES, Castanheira. Questão-de-facto - questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade. Coimbra: Almedina, 1967.

(104) COMOGLIO, L. P. Op. Cit. p. 334. "Quel doppio grado, lungi dal realizzare in modo corretto la garanzia tradizionale di uma doppia cognizione (o giurisdizione) di merito, finisce invece com il constituzionalizzare la incondizionata fungibilità o la piena alternatività dell'appello e del ricorso in cassazione, collocando il sistema delle garanzie giurisdizionali ad um livello qualitativo bem inferiore, rispetto a quello garantitto dall'attuale sistema.".

(105) CALMON DE PASSOS, J.J. Op. Cit. p. 138. "O nosso legislador tem prescrições que resguardam a parte contra o juiz imparcial. As normas que disciplinam as hipóteses de suspeição e impedimento a isso se destinam. Mas não bastam. Elas cobrem apenas o campo daquela parcialidade que assenta em situações suscetíveis de determinação prévia ou de verificação possível antes de proferida a decisão pelo magistrado, ou até mesmo antes de ser assumida por ele a direção do feito. Mas nem só esse tipo de parcialidade existe. Uma outra sutil, e nem por isso muito rara, ocorre e prolifera: a parcialidade que se mostra difusa e característica no curso de todo o procedimento, mas que se evidencia e se desmascara quando da decisão final".

(106) SÁ, Djanira Maria Radamés, Op. Cit., p. 113.

(107) BARBOSA MOREIRA, Op. Cit., p. 224.

(108) COMOGLIO, L. P. Op. Cit. p. 329 - 330.

(109) Idem, ibidem, p. 331 - 332.

(110) RICCI, E. Op. Cit., p. 66. "Per quanto concerne l'apello, in particolare, ciò significa che l'organo di secondo grado decide in única instanza la domanda in questione: e in questo modo il nostro sistema assume, in deroga al principio del doppio grado, uma posizione più severa de quella di altri ordinamenti europei, contrapponendosi in particolare all'esperienza tedesca ed austriaca".

(111) Idem, ibidem, p. 67.

(112) Idem, ibidem, p. 77 e p. 83: "Da um lato, è probabilmente non corretto presentare la valutazione del principio del doppio grado e la valutazione dell'appello comoe dua aspetti del medesimo problema: giacchjè l'appello, nel momento in cui denota la propria attitudine a supereare la regola del doppio esame come imperativo, piegandosi in um rilevante numero di casi alla soddisfazione della diversa (e veramente irrinunciabilie) esigenza di attuare almeno um soddisfacente grado único, denota anche uma vitalità che la crisi del doppio grado non pare capace di fiaccare".

(113) Supremo Tribunal Federal, RMS n. 21656/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 18.10.1994, DJ. 09.12.1994: "O Supremo Tribunal Federal não pode julgar, em grau de recurso ordinário, o mérito de lide que se encontra na fase do juízo de conhecimento, sob pena de suprimir o duplo grau de jurisdição constitucionalmente previsto, art. 102, II, 'a' (.) Recurso ordinário conhecido e provido para determinar a baixa dos autos à corte de origem a fim de que prossiga o julgamento, como entender de direito".

Supremo Tribunal Federal, RE n. 108051/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 05.08.1986, DJ. 05.09.1986: "Suprime o duplo grau de jurisdição e excede os limites do efeito devolutivo da apelação, o acórdão que, ao rejeitar a ocorrência de prescrição a cujo exame se limitara a sentença, julga, desde logo, procedente a ação. Recurso extraordinário provido, a fim que os autos retornem ao juízo de primeira instância, para a apreciação das demais matérias de mérito".

(114) CALAMANDREI, Piero. Elogio de los jueces escrito por un abogado. Madrid: Ediciones Jurídicas Europa - América, 1969, p. 161. "Recuerdo siempre con amargura que una vez, en una causa en apelación, arruiné a mi cliente, por no haberme parecido serio sustentar una tesis que estaba en contraste col la opinión, corriente en aquel entonces, de la Corte de casación. Lo hice por discreción, por respeto a la jurisprudencia de la Corte Suprema. Pero al cabo de un año la jurisprudencia de la Corte Suprema había cambiado de blanco a negro. Si no hubiese sido tan discreto, hubiera perdido a causa en apelación, pero hubiera podido ganarla un año después en Casación. Así, por haber tomado demasiado en serio el respeto debido a la jurisprudencia, fui artífice involuntario de la derrota de mi cliente".


Gerson Luiz Carlos Branco*

analaura@aranovich-branco.adv.br

Leia o curriculum do(a) autor(a): Gerson Luiz Carlos Branco

- Publicado pela FISCOSoft em 11/05/2004


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