Palavras de direito não podem ser tortas
Deonísio da Silva*
Advogados, promotores e juízes devem mirar-se no exemplo da linguagem da mídia para refazer seus textos. Sei que é raro a mídia dar algum bom exemplo e este Observatório da Imprensa é o lugar em que mais tenho criticado os desjeitosos pecados de nossa mídia por palavras, atos ou omissões, os três modos clássicos que temos de errar, mas eles errariam menos se trocassem o palavreado jurídico de insólitas complicações por um texto capaz de ser entendido por quem sabe ler e escrever.
Vou dar dois pequenos exemplos e voltarei ao assunto, no qual já estive tantas, em outras oportunidades.
Cena um. Departamento Jurídico XI de Agosto, em São Paulo. Um estudante de Direito atendia um pobre homem que queria saber o que de ruim poderia acontecer: tinha uma dívida e não podia pagá-la. Estava apreensivo. Todos os dias o credor o ameaçava. Ele, então, procurara socorro jurídico, como quem vai à farmácia comprar um analgésico ou um purgante para resolver um problema. Até que estava entendendo as etapas do processo, mas quando ouviu que, se nenhuma das explicações do doutorzinho desse certo, ele seria executado, o pobre homem estremeceu. Achou que fossem matá-lo.
Para pior
Cena dois. Tribunal de júri. O réu, algemado, ouviu tudo, mas também falou tudo o que quis. Foi a única ocasião em que pôde falar em toda a sua vida, sem nenhuma interrupção, a não ser algumas perguntas de difícil entendimento. Quando enfim, depois de reunir o corpo de jurados, o juiz leu a sentença, ele entendeu menos ainda. O defensor não percebera que seu cliente não entendera nada e perguntou: “E daí? O senhor quer apelar?”.
Assim, de nada adianta a Lei garantir coisa nenhuma, pois ainda não deu conta de garantir que as pessoas entendam, não o que está escrito, mas o que é ali falado. E a linguagem jurídica, em vez de contribuir para que as leis sejam entendidas, atrapalha.
Há um movimento para simplificar a linguagem utilizada no Direito. Sai o “pretório excelso” e entra o Supremo Tribunal Federal. Designa a mesma entidade, mas é mais simples. Entram expressões como “deixar para amanhã” ou mesmo “adiar”, e sai "procrastinar". Endossar, embora dito “adoçar”, os simples já entendem que não é pôr açúcar no café, é assinar, por reforço, um documento já assinado.
Algumas palavras já foram mudadas, mas para pior. Usucapião tornou-se usucampião. É explicável. Como já conhecem as palavras “uso” e “campeão”, as duas foram adaptadas e juntadas para gerar uma nova palavra que os leve a entender aquela que lhes é desconhecida.
* Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá; autor de 34 livros, o mais recente é o romance Lotte & Zweig.
Fonte: abraabocacidadao.blogspot.com (Gostei do blog)
Fonte: abraabocacidadao.blogspot.com (Gostei do blog)
Andei refletindo ultimamente sobre o linguajar adotado no Direito (não por todos, felizmente) e os livros que andei consultado e lendo, raríssimos eram os autores que utilizavam uma forma clara para se expressar. E eu me perguntava: qual o objetivo disso? Não vemos esse fenômeno na medicina, astronomia, psicologia, etc.
Isso me intrigou a ponto de merecer uma pesquisa. Inquiri continuamente, ocupei horas enquanto dirigia... será vaidade desse pessoal? Me perguntei. Uma forma de dificultar o acesso à informação? Monopolização explícita? Arrisquei: boicote ao conhecimento? :) Não estou fazendo sinapses? Hehe! (apelando - mas eu entendo textos mais complexos que os jurídicos!) e selecionei alguns artigos que me dão uma noção da pontinha do iceberg. E vamos parar com esse palavreado e verborragia! Ora... (Serena)
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